O CENTENÁRIO PEDRO BANDARRA

setembro 3, 2023

Roberto Patriota – Jornalista e Escritor Pedro Bandarra era um contador de causos inimagináveis, homem simples, estava sempre risonho e feliz, apesar da lida dura de agricultor de sol a sol.

Roberto Patriota - Jornalista e Escritor

Pedro Bandarra era um contador de causos inimagináveis, homem simples, estava sempre risonho e feliz, apesar da lida dura de agricultor de sol a sol. Trabalhou décadas nas fazendas Souza e São Marcos de propriedade do meu saudoso pai, no município de Touros. Quando chegou na fazenda no início dos anos 1970 do século passado, eu ainda era adolescente e Pedro já um homem na faixa dos 65 anos. Apesar da idade avançada para a lida do campo, era duro na queda. Costumava dizer que “trabalho não me mete medo”. E não metia mesmo. Durante o período de férias e finais de semana prolongados toda minha família passava temporadas na praia de Touros, divididos entre a casa da praia e a fazenda. Quando a noite chegava, após a janta todos ficávamos no alpendre para o habitual bate papo noturno. Naquela época sinal de televisão era só um sonho no município de Touros, restando a boa prosa no largo alpendre da casa da fazenda.

Não tardava para que Pedro Bandarra desse o ar da sua graça junto com o vaqueiro Sebastião e mais alguns trabalhadores. Todos adorávamos os causos contados por Bandarra, estórias que chegavam a superar em muito os contos persas de "As Mil e Uma Noites". As narrativas relatadas por Pedro, hora divertidas, hora assustadoras era um deleite que embalava as noites calmas de céu estrelado de Touros daqueles tempos. O tempo corre depressa, e anos mais tarde no final da década de 1980, após a inauguração do Hotel Vila de Touros e lançamento do jornal Folha de Touros, posteriormente Folha do Mato Grande, passo a residir na cidade de Touros por alguns anos. A essa altura Pedro Bandarra já não mais estava na lida da fazenda, mas continuava na folha de pagamento semanal dos trabalhadores, fato que perdurou até a sua morte, apesar de aposentado rural. Já com a saúde debilitada e enfrentando dificuldade para se deslocar até a pousada e receber o seu infalível pagamento no dia da feira, sua esposa Luiza Bandarra passou a lhe substituir nessa missão.

Certo dia chega Luiza para receber o pagamento de Pedro, no que a indago sobre o estado de saúde do marido e lhe peço detalhes sobre a vida do amigo. Um tanto preocupado escuto da esposa, quase trinta anos mais jovem uma narrativa angustiante – Roberto, Pedro está muito mal, é até capaz de não comer o peru natalino desse ano - Lamentei e prometi fazer uma visita. No dia seguinte fui até a casa do amigo enfermo e constato um quase moribundo deitado em sua cama em estado pré-vegetativo. Saí de lá triste e ao chegar à pousada ligo para papai e relato o lamentável fato. Todos ficamos à espera do pior. Semanas depois como em um passe de mágica, eis que Pedro Bandarra se recupera milagrosamente. Um ano após seu quase passamento, Bandarra adentra ao saguão do hotel completamente recuperado, vivinho da Silva, para mais uma vez receber o seu pagamento semanal e comunicar do falecimento da “jovem” esposa Luiza. Pedro Bandarra faleceu alguns anos depois da morte mulher, após completar um centenário de vida e de muitos causos e prosas. Continua imortal na minha memória.

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