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julho 4, 2021

Escravo, chuva e feira

Rosemilton Silva – Jornalista e escrito.

Bodega de antigamente - Foto: Curiozzo.com

Rosemilton Silva - Jornalista e escrito. Natural de Santa Cruz/RN

Bom dia, meus povo. Tava eu escorado no balcão da bodega de Jeová com minha cumade Maria Gorda esperando que ele medisse meia cuia de farinha quando chega a professora Zeneide Rocha e, logo, engatamos uma conversa animada sobre Fabião das Queimadas que vinha a ser escravo do bisavô dela e que, como se sabe, tinha liberdade para escrever seus poemas e ainda vendê-los para, assim, comprar a sua alforria como de fato aconteceu.

A conversa animada enveredou pelas festas de padroeira quando chega o aluno dela, Jaime Vieira, perguntando por dona Carmén já que ele precisava da chave da igreja para limpar uns castiçais que, de quando em vez, o serviço era feito por ele, como informa a tia de Zeneide.

Logo a conversa ganhou outros rumos porque Zeneide saiu a tiracolo com Jaime que, de acordo ela, monsenhor Emerson garantira ser bispo com pouco tempo de ordenado e cumprida as necessidades escolares para tanto. Na bodega, a conversa corria solta sobre candidatura a prefeito e vereador quando chega Zezé Profeta com seu ar misterioso.

Perguntado sobre chuva, Zezé Profeta faz cara de desentendido e questiona se é chuva de voto e que tanto Jeová como Geraldo de Tico teriam uma cadeira na Câmara e Cícero Pinto também seria eleito. Minha cumade, que de besta só tem a cara, estica o olho no rumo da casa de Maria Anjo, ali de frente pra esquina do mercado, porque o sábado estava agitado por lá e me diz baixinho que não sabe porque Rosa de Mané da Viúva não gosta de Maria Anjo. Eu não respondo. Mas, com um tempinho, digo que nós, os meninos e meninas de ambas, não damos trela pra isso e temos uma excelente relação de amizade.

Tempos depois, quando Fernando veio morar ali na casa dos Germanos, parede e meia com a casa de Mané da Viúva que foi de Arnaldo Moreira, ela tinha o maior carinho por Fernando e a mulher dele. Dudu três orelhas também era outro que entrava e saia da casa na hora que quisesse. Mas minha cumade não está preocupada com isso e diz que terminado os festejos de São João e se livrado das tais quadrilhas estilizadas vai ter que continuar aguentando as quadrilhas organizadas que batem ponto nos cabarés de Gonzaga, no dela, no de Chicó de Maria Anjo e, dizem, mas ninguém ainda confirmou, no de Michael também. Nisso chega Fogão já com umas “leruadas” no cachaço – sem trocadilho, por favor – batendo no balcão e pedindo mais uma pra dizer que Jácio Fiuza será o candidato a prefeito e que ninguém toma.

Dia de feira em Santa Cruz/RN

Dia de feira especial. Tanto é assim que seo Meireles passa conversando com suas jumentas e eu pergunto por Lúcia no que sou corrigido por Fernando Bocão que vinha passando na hora e confirma que é Helena aquela que, segundo minha cumade, deve ter sido a primeira mulher negra da cidade a ter um diploma de nível superior da UFRN fazendo, portanto, parelha com a branca de olhos verdes, Paulina Rocha. E ai minha cumade desfila um rosário inteiro de professores que ajudaram a ensinar na cidade começando por Iaiá de Casumbéu, Amaro Barreto, seo Horácio, Maria Júlia, José Bezerra Dantas, Isabel Oscarlina e emenda com Palmira Barboza, Iná Ribeiro, Maria Lindalice, Maria Augusta, Leopoldina, Carmelita, Auristela e, meu cumpade se  for pra listar, vai longe.

Recebe a farinha e se despede enquanto vai chegando Cuíca que já vinha com raiva e por isso fez finca pé no rumo da parede de Joca Moreira que estava arrumando uns couros pra mandar pro curtume em Natal. Cuíca quando tinha raiva era assim: metia a cabeça na parede que o som podia ser ouvido a uns bons metros de distância sem que saísse um pingo de sangue.

Foto ilustrativa

Me despeço de Jeová e vou no rumo do mercado, na banca de Zé Amaro comprar um vidro de brilhantina Glostora, um rouge Royal Briar, mas antes entro em Zé Abdias para comprar um maço de cigarro Astória. Aproveito, pra arrematar, vou perto da Matriz, ali na sombra do coreto, comprar uma mala de uma espécie de papelão ou de compensado, coberta com papel florido da lavra de Alexandre Maleiro.

Uma resposta para “Escravo, chuva e feira”

  1. Angela disse:

    Menino…ele conversou com a cidade inteira…