A guerra que parou o país

dezembro 17, 2023

Alex Medeiros – Jornalista e Escritor @alexmedeiros1959 – Publicado na Tribuna do Norte Era 1983.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor @alexmedeiros1959 - Publicado na Tribuna do Norte

Era 1983. Um ano de expectativas no Brasil e de produtividade na televisão nacional, talvez seguindo o rastro da indústria do cinema numa década que deixaria obras inesquecíveis. Política e socialmente, a imprensa dizia ser o primeiro ano de uma democracia de fato, o “day after” das eleições diretas para governador que voltaram com a abertura lenta, gradual e segura do general Ernesto Geisel. Em junho estreia a novela Guerra dos Sexos na TV Globo.

O autor Silvio de Abreu aproveitou a luta das mulheres por mais espaço, que desde 1980 contava com a adesão da emissora no programa TV Mulher, estrelado por figuras célebres como Elis Regina, Marília Gabriela, Marta Suplicy, Xênia Bier, Irene Ravache e Leiloca, entre outras donas dos próprios narizes. E juntou como casal protagonista duas grandes estrelas do teatro e da TV, Paulo Autran e Fernanda Montenegro, que jamais tinham atuado em dupla.

Semanas antes da estreia, um VT com imagens de rapazes jogando futebol e garotas malhando em academia. Ao som dos Fevers, o locutor avisava: “machões e feministas, preparem as estratégias de ataque. Vem aí, Guerra dos Sexos”.

Foi uma novela inovadora onde a crítica de costumes da época era abordada pelo autor com doses de humor burlesco e esculachado. Charlô (Montenegro) e Otávio (Autran) eram primos que cresceram juntos e tiveram um namorico.

No primeiro capítulo, lá estão eles ouvindo a leitura do testamento de um velho tio milionário que deixa tudo para ambos; a mansão e uma rede de lojas em diversas capitais, inclusive Natal. Algumas condicionantes já arrancam risos.

A principal delas é que os dois, já nem tão ligados como na juventude, precisam morar na mesma casa se quiserem gozar da incalculável fortuna. A partir daí serão meses de provocações e de brigas hilárias roubando as cenas.

Aquela pegada sarcástica de Silvio de Abreu foi seu ponto alto na dramaturgia televisiva, que ele veio exercitando desde 1978 com Pecado Rasgado e 1980 com Plumas & Paetês, até adaptar Janete Clair em Jogo da Vida, de 1981.

A disputa de poder na administração da herança era o adereço representativo da tal guerra dos sexos que ocorria num Brasil engatinhando nas questões ideológicas. E naquele 1983 o país parava todas as noites para ver as intrigas.

Um elenco de peso ilustrava a órbita do casal: Tarcísio Meira era Felipe, o trambiqueiro filho adotivo de Charlô, mas que tramava em favor do tio Otávio.

Na outra trincheira, a personagem de Fernanda Montenegro tinha o auxílio de Roberta, uma viúva encarnada pela estelar Gloria Menezes, e de Vânia, papel de Maria Zilda em seu esplendor anatômico de pouco mais de trinta anos.

Assim ficava bem definido um jogo de machos versus fêmeas, como no filme de lançamento da novela. E mais adiante alguém vai boicotar seus semelhantes, como nas farsas das apostas. E Lucélia Santos muda de lado.

Guerra dos Sexos se mantém como a novela de uma cena épica sem igual, a discussão entre Paulo e Fernanda durante um café da manhã que acaba em bombardeio mútuo de pães, bolacha, leite, suco, bolo… Um clássico pastelão.

A música-tema foi um dos hinos de 1983, na onda do rock new wave da década, gravada pela banda The Fevers a partir da letra de Michael Sullivan: “Cheguei pra conquistar o mundo / você seduz e vai bem fundo”. Já são 40 anos desde aquela trama, que em 2012 ganhou um remake menor, bem menor, obviamente.

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