Política, palavra e o jogo do bicho

junho 9, 2024

Ricardo Sobral, observador da cena política.

Ricardo Sobral, observador da cena política.

Segundo Padre Vieira, maior expressão do Barroco Brasileiro, para falar ao vento, bastam as palavras; para se falar ao coração são necessárias obras.

Obras no sentido de ações, acrescento.

Na política, aproveitando o ano fluente de eleição municipal, se faz oportuno lembrar que a palavra - no mais das vezes - é usada para confundir, simular, dissimular, esconder o pensamento, escamotear a verdade.

Poucos fazem política como ciência, com base em postulados, com respaldo em experiencias vividas. A maioria faz política como arte, intuitivamente, quando não o faz como negócio.

O jogo do bicho foi inventado em 1892 pelo Barão de Drummond para custear o Zoológico do Rio de Janeiro. Logo virou mania nacional e faz parte do folclore brasileiro. Para se ter ideia do largo espectro de sua capilaridade, registra-se que apenas uma escola de samba do RJ não é financiada pelo Jogo do bicho. Hoje, mesmo considerado contravenção penal, é a instituição mais séria do País. Tem mais credibilidade perante a população do que a Suprema Corte.  "Vale o que está escrito", dito e reduzido a termo no papel. Cantou o bicho, paga-se imediatamente o prêmio. Não há notícia de alguém em tempo algum que levou calote.

Para o observador político experiente, mais vale o que não foi dito e o que está dito nas entrelinhas do que o que foi declarado pelo agente político e o que está posto no papel. Se a palavra não tem âncora e não se harmoniza na ação ou na omissão é um risco n’água, não vale nada, foi dita “para inglês ver”.

Na terra de Potiguaçu não é diferente: não se fala em programa de governo, interesse público, desenvolvimento, bem-estar-social. Esqueçam!  Estão focados na própria sobrevivência. Daí as alianças antagônicas, incompatíveis programaticamente.

Em 1982, ao reconhecer o resultado adverso da campanha para governador, o Dr. Aluízio Alves – lembro como se estivesse vendo novamente agora mesmo – declarou em discurso dolorido: “Agradeço a todos quantos, movidos por seus legítimos interesses pessoais, participaram da minha campanha. A luta continua.”

O interesse pessoal, pois, não é só do político. É do eleitor, segundo suas demandas imediatas, sem preocupação com as da sociedade, o que lembra a passagem bíblica: conhece-se a árvore pelos frutos.  O eleitor é a árvore; seu representante, o fruto de sua escolha.

A quatro meses da eleição para prefeito em quase seis mil municípios brasileiros, se quiser saber em qual candidato determinado político vai votar, não se preocupe com o que ele fala. Observe qual o interesse dele na eleição e o movimento que ele faz ou deixa de fazer. Seu andar comissivo ou omissivo. Vai-se observar que essa ação ou omissão beneficia ou prejudica determinado candidato. Ele é capaz de votar hoje no adversário em prejuízo do correligionário se isso lhe resultar em beneficio mais adiante.

Olhando o cenário, pode-se ver todo mundo em campo, feito o aquecimento, cada um ocupando sua posição.  O apito inicial já se fez ouvir, começou o jogo. Façam suas apostas.

Uma resposta para “Política, palavra e o jogo do bicho”

  1. Solrac Seraos disse:

    Sempre assim. Reclamam, reclamam, mas não soltam o osso!