Coisa de maluco!
Imagine só aquele pessoal que, apoiando uma tentativa de golpe, acampou em porta de quartel, tomou chuva, passou frio, perdeu emprego, brigou com cônjuge e família, foi ridicularizado por amigos, passou privações e virou meme, foi chamado de “maluco” pela pessoa que idolatravam e por quem passaram tudo aquilo? Pois é, foi exatamente o que […].

Imagine só aquele pessoal que, apoiando uma tentativa de golpe, acampou em porta de quartel, tomou chuva, passou frio, perdeu emprego, brigou com cônjuge e família, foi ridicularizado por amigos, passou privações e virou meme, foi chamado de “maluco” pela pessoa que idolatravam e por quem passaram tudo aquilo?
Pois é, foi exatamente o que aconteceu na nesta terça-feira, por ocasião do depoimento de Jair Bolsonaro ao ministro Alexandre de Morais no STF, no julgamento da cúpula que planejou (ou tentou) um golpe de Estado para impedir a posse de Lula, após as eleições de 2022.
“Tem sempre uns malucos que ficam ali com aquela idéia pedindo intervenção militar que os chefes das forças armadas jamais iriam embarcar”, disse textualmente Bolsonaro. Na prática ele fez o que é praxe: abandonou no meio da estrada apoiadores que não lhe servem mais ou que mais atrapalham que ajudam seus planos no momento. E sua ambição maior, neste exato instante da História, é não ser preso.

Não obstante as complexidades do julgamento, a importância histórica de botar militares golpistas no banco dos réus e a análise político-jurídica da coisa toda, resolvi colocar olhos de escritor e fazer um recorte do drama humano dessas pessoas. No final de dezembro achavam que estavam fazendo história com as próprias mãos, certamente antevendo uma nova “revolução” (como eles chamam o golpe militar de 1964) e a posse de Bolsonaro como líder supremo, com a morte de Lula e a prisão de Xandão e de milhares de “comunistas safados”, como eu e tantos outros, e seis meses depois os que não foram processados e presos por vandalizar patrimônio público ganharam a alcunha de “malucos” pelo líder deles.
Claro que muitos dos envolvidos acreditam que se trata de mais uma estratégia do “mito”, e que algo ainda vai acontecer. Porém, para uma porção deles caiu a ficha, de que Bolsonaro só pensa nele mesmo e nos filhos. Abandonou pelo caminho e depois desprezou verbalmente antes fiéis aliados como Bebiano, Joice Hasselmann, Abraham Weintraub, Carla Zambelli, entre tantos outros (e tantas outras). Por que haveria de mostrar hombridade e defender em pleno STF os bravos patriotas que tomaram chuva em calçada de quartel por sua causa?
Golpista merece repúdio e nos casos previstos em lei, punição e cadeia. Mas não deixo, como expliquei acima, de me angustiar pelo drama humano. Eu já achava bizarro uma pessoa sair do conforto de sua casa, deixar filhos, netos, marido ou esposa para botar uma camisa amarela da seleção da CBF, pegar em bandeiras com frases agressivas e se plantar por dias e noites na porta de um quartel esperando um golpe militar.

Não esperando uma realização ou felicidade pessoal ou um benefício coletivo ou ainda defendendo uma causa justa, como erradicar a fome de um grupo de pessoas ou salvar vidas. Pelo contrário. Sonhavam com uma ação que provocaria a prisão de morte de um grupo de pessoas que pensam politicamente diferente. Mas há algo de melancólico em imagens como a do patriota triste tomando chuva enquanto no mesmo dia Eduardo Bolsonaro curtia a Copa do Mundo nos estádios do Qatar.
No fim das contas, eram malucos, como definiu Jair. Embora houvesse método naquela loucura, como disse Polônio de Hamlet, eram inocentes (ou idiotas) úteis naquele momento. Como devem estar se sentindo neste instante? Vergonha de si mesmos? Chateados com Bolsonaro? Alguns talvez esperando 2026 para fazer a mesma coisa de novo. Se acontecer, só espero que rezem para pneu novamente. Entre tanta tensão foi o momento mais divertido da micareta golpista.
