Rebeldias no Pedregal
Alex Medeiros – Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte Quando as férias de meio de ano terminaram em 1975, os eventos que mais me marcaram em junho foram a lavagem da nova casa em Candelária, auxiliando meu pai, e a mudança para o conjunto residencial recém-lançado na Zona Sul da cidade.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte
Quando as férias de meio de ano terminaram em 1975, os eventos que mais me marcaram em junho foram a lavagem da nova casa em Candelária, auxiliando meu pai, e a mudança para o conjunto residencial recém-lançado na Zona Sul da cidade. Dali até setembro, a turma do Colégio Churchill adaptou como meu cartão de identificação a saudação: “pronto, chegou o cara do Pedregal”.
O nome próprio da frase era uma localidade à margem da cidade de Águas de Santana, o centro da trama da novela Ovelha Negra, da TV Tupi, criada por Walter Negrão e Chico de Assis, dirigida por outra dupla, Edson Braga e Atílio Riccó. Foi exibida em 100 capítulos entre os dias 2 de junho e 30 de setembro, no horário das 20 horas. O título remetia à rebeldia do protagonista Júlio.

Vi alguns dos primeiros capítulos ainda nas Quintas. Inesquecível a abertura com o clássico Trenzinho Caipira, de Villa-Lobos, e os efeitos de tinta nanquim mergulhada em água e uma colisão de esferas lembrando as bilocas de então.
Apesar de ser uma gentileza de Kolynos (o gosto da vitória), havia sempre a introdução obrigatória “este programa da Rede Tupi de Televisão foi aprovado e liberado pelo serviço de censura federal para ser exibido nesse horário”.
O ponto de partida e de narrativa de Ovelha Negra era a saga de Júlio Monteiro, papel do saudoso ator e cantador Rolando Boldrin, que no impulso de se tornar prefeito provoca atrito com toda a comunidade e é enxotado.

Rompido com toda a cidade, o jovem e rico rebelde constrói seu próprio lugarejo, o Pedregal, e atrai seguidores ávidos por experimentar os poderes místicos da nova localidade. Na verdade, uma invenção dele para a vingança.
Ele cria um boato de que o solo pedregoso das suas terras guarda embaixo águas cristalinas e milagrosas. E aproveita que um amigo fez cirurgia ocular na capital para encenar a cura da cegueira mergulhando-o na água do Pedregal.
Com seu principal rival, o viúvo e empresário Cirilo (interpretado por Serafim Gonzalez), ele vai disputar o coração de Laura (a grande Cleyde Yáconis), uma escritora nativa que venceu concurso literário em São Paulo com um romance.
A paixão por Laura, repleta de controvérsias afetivas, não o impede de ficar noivo da bela e loira Suzana (Kate Hansen), a filha do prefeito Gabriel (Mário Benvenutti). Por sua vez, Laura estimula a disputa por ela entre Júlio e Cirilo.
O elenco de Ovelha Negra era uma plêiade com brilho suficiente para manter a briga de audiência com a Globo naquela década em que as duas emissoras lançaram uma sequência de grandes novelas consagradas pelos críticos.
Lá estavam em cartaz todas as noites Laura Cardoso, Joana Fomm, Adriano Reis, Jonas Bloch, Wanda Estefânia, Edney Giovenazzi, Geórgia Gomide, Carlos Augusto Strazzer e até um mito da cultura paulista, Adoniram Barbosa.
Nas revistas semanais e nos maiores jornais do país, circulavam os anúncios de Ovelha Negra, um deles com a indagação em letras garrafais: “Como reage um homem com toda a cidade contra ele?”. E houve um fato curioso no ano.
Naquele mesmo junho de 1975, a cantora Rita Lee lançou seu quarto álbum, “Fruto Proibido”, de onde saltou um dos maiores sucessos da sua carreira, a música “Ovelha Negra”, que levou muita gente a fazer alusão à novela.

Mas, na verdade, a canção da Santa Rita não entrou na trilha de Ovelha Negra, mesmo tendo entrado na cabeça dos adolescentes como eu, na época. Era um rocão malcriado feito como resposta ao seu rompimento com Os Mutantes.
Numa providencial aliança emotiva, a rebeldia do personagem Júlio e da letra de Rita Lee se entranhou na malandragem e destemor dos garotos da Candelária, que ouviam sempre nas sabatinas: “lá vem os caras do Pedregal”.