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abril 14, 2024

Ziraldo, meu Zerói!

Alex, você está tomando Viagra? Se estiver, sai do clube! Era assim que ele iniciava nossos papos à distância, por telefone ou e-mail, desde a vez em que abri sua palestra no Centro de Convenções, nos primeiros anos deste século XXI, e brinquei sobre ter descoberto o mistério que fazia dele, segundo a turma do […].

Alex, você está tomando Viagra? Se estiver, sai do clube! Era assim que ele iniciava nossos papos à distância, por telefone ou e-mail, desde a vez em que abri sua palestra no Centro de Convenções, nos primeiros anos deste século XXI, e brinquei sobre ter descoberto o mistério que fazia dele, segundo a turma do Pasquim, um imbrochável sexual. Minha revelação naquele dia o levou a me tratar como gêmeo zodiacal, ambos nascidos em 24 de outubro sob a luz quente do Sol em Escorpião.

Já nos conhecíamos desde o final do século XX, quando tive nele dois grandes e luxuosos auxílios; o primeiro quando lancei um site repleto de talentos nacionais, o Sanatório da Imprensa, em 1998, e o segundo em 1999 quando resolvi editar uma coletânea com crônicas sobre a Copa de 1970 que iria completar 30 anos no ano 2000. Ele e Márcio Moreira Alves abriram as portas da cena carioca para garantir relevante presença de craques do texto.

A partir dali nossos contatos foram se multiplicando, tanto quando ele vinha participar de eventos culturais em Natal quanto nas vezes que eu ia ao Rio de Janeiro, numas vezes em contatos profissionais e noutras para ver minha filha. Tivemos boas e animadas conversas no seu estúdio da Lagoa e no velho Bar Lagoa, que algumas vezes repetia ser dois anos mais novo que ele. A primeira imagem que me chamou a atenção no estúdio foi uma escultura do Superman.


Lembrei que além da questão do horóscopo e da paixão por futebol, o super-herói da DC era mais um ponto em comum entre nós. Algum tempo depois descobri um quarto fator convergente: ele achava Chico Anysio gênio da raça.

Em 2002, fui ao Rio, de novo, lançar na Livraria Argumento, a coletânea da Copa 1970, fiz questão de pegar alguns exemplares com a editora Palavra & Imagem e entregá-lo. Folheou, mirou as fotos e disse: “porra, só faltou Jaguar”.

Um dos melhores e inesquecíveis momentos com ele foi em 2006, quando fui à Bienal do Livro cumprir uma missão da Fundação José Augusto de entregar umas coleções de literatura potiguar. Depois da sua palestra fomos ao estúdio.

Na noite anterior, eu havia lido num fôlego só o livro “Zico 50 Anos de Futebol”, do Roberto Assaf, e escrevi bem cedo a coluna do Jornal de Hoje com uma crônica sobre o “Galinho”. E aí veio uma ideia que foi estimulada por Ziraldo.

Perguntei o que ele achava de um livro com centenas de textos como aquele, referentes aos maiores craques da história do futebol desde sua fundação em 1863. Ele vibrou e garantiu não ter ouvido falar de nenhum livro semelhante.

Fiz outra pergunta se ele escreveria um texto; ele devolveu indagando se poderia chantagear: se tivesse crônica para Dirceu Lopes, o baixinho camisa 10, do Cruzeiro de Tostão. Óbvio que fiz, e mais outras 239 até o ano 2020.

De 2006 até 2012, sempre falávamos da ideia do livro e eu encaminhava alguns textos pelo e-mail que sua secretária Ivone, gentil e prestativamente o entregava. Em 2013, enviei-lhe um arquivo com mais de 130 páginas de Word.

Ele acusou o recebimento e avisando que leria na volta da Alemanha, aproveitando para me dar a notícia de que seria homenageado na tradicional Feira do Livro de Frankfurt. O AVC que sofreu por lá o fez sumir mais de ano.

Ivone, seu anjo da guarda, me dava em doses homeopáticas pelo e-mail informações da saúde do mestre. A mística do escorpião decerto contemplaria o corpo todo. Era o desejo de todos os fãs e todas as torcidas do Brasil.

Em 2016 mandei um piloto editorial feito por Adriano de Souza e Max Revoredo (Armação Propaganda) com mais de 200 crônicas. Creio que seus muitos compromissos impuseram um espaço de dois anos para concluir uma leitura.

E muito valeu a pena esperar uma resposta, até por saber que sua mobilidade havia se reduzido após o susto em Frankfurt. Meados de 2018, ele manda um e-mail com um elogio em que o exagero foi na dimensão da sua gentileza.

“Meu caro Alex. Leia David Foster Wallace no livro: Ficando Longe do Fato de já Estar Meio que Longe de Tudo. É o cara mais inteligente que eu já li em toda vida. Mais até do que o Millôr. Só que ele se suicidou aos 46 anos!

Vai ser inteligente assim na puta que pariu! Neste livro tem um artigo chamado: “Roger Federer – Como uma Experiência Religiosa”. Seus textos – os de você – estão mais ou menos na linha do que o Wallace escreveu sobre o Federer. Paixão completa. E conhecimento da matéria. Mas, péra aí. Ainda não estou te chamando de gênio! Tou viajando, volto no fim do mês. Aí a gente volta a conversar. Abraço, Ziraldo”.

Pouco tempo depois, em setembro daquele 2018, um segundo AVC, mais grave, o deixou internado numa UTI do Rio. E aí seus dias foram escasseando no velho estúdio da Lagoa, a casa onde nasceram os três filhos. Nosso último contato foi, como tantas vezes, num 24 de outubro. Ele fazendo 87 anos e eu 60. Atendeu o celular e já disparou: “Alex, você está tomando Viagra? Se tomar sai do clube”.

Adeus, mestre.

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