Zepelim, Touradas, Vampiros & outras histórias

janeiro 22, 2023

Nilo Sérgio Emerenciano – Arquiteto e escritor A cidade do Natal tem, ou deveria ter, a sua narrativa do insólito, diferente, pitoresco.

Fotografia do Graf Zeppelin - Domínio Público/ Creative Commons/ Wikimedia Commons

Nilo Sérgio Emerenciano - Arquiteto e escritor

A cidade do Natal tem, ou deveria ter, a sua narrativa do insólito, diferente, pitoresco. São tantos os acontecimentos nessa terra abençoada dos Reis Magos, a começar pelo engano cometido pelos portugueses que acharam ser o Potengi um rio enorme, a julgar pela foz, e sapecaram “Rio Grande” do Norte na nossa toponímia, quando na verdade o nosso rio calmo, pacífico e belo míngua logo ali, praticamente depois da primeira curva.

Alguns eventos, em especial, chamam a minha atenção. As sentenças de morte executadas por enforcamento, por exemplo, bem registradas por Câmara Cascudo (minha fonte), são ignoradas pela maior parte dos potiguares. Pois é, no século XIX, os criminosos condenados à pena de morte, na véspera da execução, eram obrigados a mendigar, de porta em porta, algum dinheiro para pagar a própria missa – a "missa do enforcado" - e nem direito a um carrasco decente tinham, pois que um dos presos era encarregado da tarefa. Um deles tremeu na hora da execução e foi repreendido pelo próprio condenado:

“- Está tremendo? Você quando matou a Hamburguesa não tremeu desta forma.”

Esse carrasco inadequado foi Alexandre José Barbosa, assassino da Hamburguesa, crime também registrado pelo Mestre Cascudo. A Hamburguesa vivia só, e cercada de boatos de que possuía moedas de ouro escondidas na casa. Esses boatos selaram a sua sorte. Seu corpo foi encontrado no Riacho do Baldo. Havia sido sufocada por um dinheiro que nunca teve.

Até parece filme de Felini, mas o Graf Zepelim sobrevoou, de verdade, o nosso pequeno burgo. Fico a imaginar os cidadãos da província a olharem para o alto, surpreendidos e maravilhados com o que viam. Aquele bicho enorme, gigantesco, reluzente, a voar sobre o casario e as cabeças daquela gente, fazendo evoluções e deixando cair, do alto, flores sobre o monumento, em homenagem a Augusto Severo, na Ribeira. Depois, seguindo seu rumo, em busca de terras mais distantes.

Zepelim sobrevoando a Igreja do Bom Jesus, na Ribeira, em Natal- ACERVO: Eduardo Alexandre

A Tourada, no Juvenal Lamartine ficou registrada nos meus arquivos sentimentais, pois nunca li nada a respeito apesar de haver buscado no novo “pai dos burros - o Google. Havia assistido o filme Arenas Sangrentas, um drama mexicano, e como todo mundo, me emocionei com a saga do garoto e do touro Gitano, que saía invicto das arenas, em um final tocante.

Tourada ilustrativa Foto: Edgard Egydio de Souza

Então, quando soube que iam apresentar uma verdadeira tourada, com toureiros, touros, e tudo o mais, insisti para papai me levar. Vocês não imaginam. Aquilo devia ter sido filmado. Armaram um cercado no gramado ralo no Estádio Juvenal Lamartine e, ali, toureiros vestidos a rigor, pompa e circunstância, enfrentaram os bois daqui da terra, nada participativos. Nem à força das bandarilhas conseguiram fazer os pacíficos animais se moverem, talvez assustados com aquelas roupas coloridas. Foi um fiasco. Os toureiros se foram, cabisbaixos, e os nossos touros, vitoriosos, foram ruminar, em paz, o capim-gordura a que fizeram jus.

A chegada do navio SS HOPE, em plena manhã da quarta-feira de cinzas,16 de fevereiro de 1972, é outro evento aguardando um romancista. Nós vínhamos do clube, meio bêbados de sono e cansaço, o dia apenas amanhecia e pudemos ver o grande navio branco que vencia as pedras traiçoeiras da barra com a ajuda da lancha vermelha, do prático e penetrava o Potengi, sereno e altaneiro.

Navio- Hospital Hope, em Natal -Ensino Fotec UFRN - WordPress.com

Aquele foi o ano do Navio-Hospital HOPE, em Natal e das muitas histórias que passaram a circular falando de segredos e cirurgias mirabolantes. Diziam que o cidadão ia tirar um prosaico bicho-de-pé e saia sem rins ou outros órgãos, traficados para os EUA. E juravam de pés juntos...  

Será que há quem lembre do vampiro que assolou o antigo Alto do Juruá e adjacências dos bairros de Areia Preta e Mãe Luiza?

Pois então escutem: nos anos sessenta a página policial do Diário de Natal passou a noticiar as aparições de um vampiro que corria na noite atrás das pessoas, de capa negra, olhos vermelhos brilhantes e tudo a que um vampiro tem direito. Foi um reboliço. A gente disputava palpitando sobre quem seria a figura, provavelmente algum presepeiro. Mas a verdade é que as moças temiam voltar para casa em horas mais tardias e muitas afirmaram tê-lo visto. Os casos se sucedendo nas páginas do jornal.

Dizem até que o Nosferatu deu as caras uma noite no boudoir de Maria Boa só por farra e amarrou-se em ouvir Waldick Soriano. Vampiro genérico que nunca, que eu saiba, mordeu ninguém, mas, deu muito o que falar naqueles anos loucos. Soube depois, dos bastidores da história, mas prefiro, de longe, manter a versão da figura uivando nas noites, quebrando a paz da cidade-sol e causando frisson nas nossas donzelas. Nosso vampiro um dia nos abandonou e prometeu não voltar deixando muitas mocinhas frustradas. Deve ter assumido a forma de um morcego e saído a voar por aí.

Do cometa nem gosto de falar, pois até duvido do que vi. Alguém já disse que nossa memória nos trai e passei a acreditar nisso. Mas conto, mesmo correndo o risco de ser desmentido por essas pessoas que vivem observando o céu e fazendo previsões.

No começo dos anos 1970, impossível ser mais preciso, um cometa, ou pelo menos um facho de luz enorme, apareceu no céu da minha (nossa) infância, muitas noites seguidas. Nós, eu minha mãe, meu pai, meu irmão e os vizinhos, acordávamos para ir para a rua (isso era possível nesse tempo), olhar a noite, aquela coisa maravilhosa posta em sossego no céu, como a estrela que guiou os Reis Magos até Belém.

Será que há algum registro disso ou será que sonhei? Se alguém mais lembra, fico feliz. Se foi sonho, problema algum, pois da matéria dos sonhos é que é feita a vida real. Por isso não liguei para ninguém em busca de confirmação pois abraço os sonhos como abraço um velho amigo muito querido.

2 respostas para “Zepelim, Touradas, Vampiros & outras histórias”

  1. Elizabete disse:

    Muito aprendizado nessa manhã de domingo… me despertou para ler a obra de Cascudo. Parabéns, seus textos sempre nos deixa com desejo de “quero mais”

  2. VITALNOGUEIRA disse:

    Fatos e tradições, no bom texto de Nilo Sergio.
    Parabéns ao autor e para O Alerta!