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maio 7, 2023

Um régio presente

Franklin Jorge – Jornalista e Escritor Além do glaucoma tardiamente diagnosticado e dos músculos desatinados que me acossam com relativa frequência, havemos de declinar os cuidados devidos aos 11 felinos que há anos me acompanham e se mostram hostis à leitura, à escrita e a alguns afazeres que me ocupam como escritor e dono de […].

Franklin Jorge - Jornalista e Escritor

Além do glaucoma tardiamente diagnosticado e dos músculos desatinados que me acossam com relativa frequência, havemos de declinar os cuidados devidos aos 11 felinos que há anos me acompanham e se mostram hostis à leitura, à escrita e a alguns afazeres que me ocupam como escritor e dono de casa, enfim, a tudo que com algum desconforto físico me disponho a fazer dentro das quatro linhas que a custo dimensionam meus limites físicos e intelectuais, diante da temível vigilância e ciumeira dos gatos, um dos quais com câncer e um outro, cego, todos recolhidos das ruas e lixões de Natal e Mossoró, nos últimos 17 anos.

Adoram deitar-se sobre o teclado do computador ou a espichar-se sobre as páginas do livro ou caderno entreabertos sobre a cama, quando encontro alento para ler um pouco e escrever. Como agora, enquanto intento reler a marginalia inspirada por sucessivas releituras dos três volumes dos Ensaios de Michel de Montaigne que pertenceram ao meu querido Tio Edgar Barbosa, escritor e estilista notáveis, caprichosamente encadernados em percalina, régio presente de minha prima e sua neta, a escritora Maria Antônia Barbosa de França, há mais de dez anos.

A edição de 1961, em esmerada tradução de Sérgio Milliet, da Editora Globo, fundada em Porto Alegre pelos Irmãos Bertaso, um dos mais fecundos empreendimentos editoriais que popularizou no Brasil os Clássicos Modernos e Contemporâneos, dentre os quais, a Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura e autores brasileiros como Érico Verissimo.

Edgar não costumava produzir marginalias. Limitava-se a sublinhar algum trecho que lhe chamara a atenção, exceto na primeira página de guarda do primeiro volume. Às vezes, rubricava alguma página, ao contrário de mim, que anoto à margem ideias e impressões que me despertam a leitura dos grandes mestres, como Shakespeare, Stendhal, Machado de Assis, Cascudo, Manuel Rodrigues de Melo, o próprio Edgar Barbosa, Antônio Carlos Villaça, Proust, Murilo Mendes, Pedro Nava, Machiavel, Baudelaire, Dante, Borges, Bacon, Osamu Dazai, Mishima, Emerson, David Henry Thoreau, Ascendino Leite, Charles Baudelaire, Nathanael Hawthorne, Gogol, Cornélio Penna, Walmir Ayala, os Clássicos Greco-latinos e os Moralistas Franceses, que por 30 anos li, reli e anotei com o alumbramento que despertam no leitor hipercrítico as grandes obras. Obras que nos parecem aprimorar as percepções ao nos dotar da visão poligonal das abelhas.

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