Um alienígena nas ruas da cidade

agosto 13, 2023

NILO Emerenciano  – Arquiteto e escritor  Conheci Luís Rebouças, no Ginásio Salesiano São José, ali, na velha Ribeira, antigo casarão de Juvino Barreto, local de belas palmeiras imperiais.

Foto Ilustrativa

NILO Emerenciano  - Arquiteto e escritor 

Conheci Luís Rebouças, no Ginásio Salesiano São José, ali, na velha Ribeira, antigo casarão de Juvino Barreto, local de belas palmeiras imperiais. Éramos garotos, na faixa de 13 ou 14 anos. Minha memória já não é tão boa, mas acho que fomos Escoteiros do grupo que havia se formado no colégio.  

Vim reencontrá-lo já em tempos de faculdade, em São Paulo. Havia ido fazer uma visita a um casal amigo, e assistia uma sessão de projeção de slides. É, antigamente tinha isso. Nada de Instagram ou Face, então as pessoas mostravam às visitas fotos da última viagem. Nisso, entrou na sala Luís. Era parente desses meus amigos. Demorei a reconhecê-lo. Cabelos grandes, barba enorme, chapéu tipo Grilo Pintor, botons, panfletos sob o braço. Os panfletos tipo fanzines falavam todos da sua figura e dos discos voadores. Já não era Luís, era o personagem por ele criado e que havia de forma incrível se tornado popular na 'selva de pedra' que era a São Paulo de então: Luís Rebouças havia se tornado o Ovni.  

Foi super gentil. Saímos juntos, ele se propondo a nos ciceronear na noite paulistana. Fomos a seu apartamento, praticamente embaixo do Minhocão (uma via expressa elevada da cidade de São Paulo). Era exíguo e interessante, cheio de coisas para olhar. O que mais chamava a atenção era uma grande pirâmide de metal pendurada sobre a cama. Havia outra, menor, embaixo, com uvas em seu interior. Para captar as boas energias, explicou.  

Minhocão (via expressa elevada da cidade de São Paulo) Foto: São Paulo Secreto

De lá percorremos bares e lugares cheios de gente interessante: poetas, intelectuais, gente do cinema, músicos. Acho que terminamos a noite no Largo do Aroche.  

Durante a noitada ele nos falou da sua vida. Um pouco de verdade e muita fantasia na minha opinião não abalizada. Havia viajado muito trabalhando como intérprete, e isso lhe trouxera alguma experiência nas andanças pelo estrangeiro. E aí chegava ao ponto chave de sua história.  

Pois não é que Ovni declarou com ar grave, que não era da terra? Sim, que o verdadeiro Luís havia sido abduzido ainda no berço e em seu lugar haviam deixado outro bebê, um alienígena de quatro costados: Ele.

Claro que o cravei de perguntas tentando levá-lo a contradições, mas o homem tinha respostas para tudo. Senti que era inútil. Ele já devia ter feito aquele mesmo relato inúmeras vezes e devia ter aperfeiçoado a história. Aí, quando achei que a noite já tinha dado o máximo possível, ele colocou a cereja do bolo. Disse que já havia falado com Deus. E daí, perguntei. Os místicos de todo tipo o fazem corriqueiramente, nas preces e meditações. Não, não era assim. Nada de prece. Nem jejuns. Via Deus assim, cara a cara, tête-à-tête. -  Ali, ao pé do minhocão? Não resisti e fui irônico. - Sim, respondeu. Ali ou em qualquer lugar.  

Me ergui e fui embora, não sem antes agradecer a companhia e a noite ótima. Saí pensando no que haveria acontecido com meu velho conhecido. Haveria sofrido um trauma, uma pancada séria? Ou teria se tornado um vigarista, um agente soviético, um provocador, um infiltrado? Seria um X-9?  

Anos depois revi Ovni nas ruas de Natal. Havia retornado à terrinha Potiguar. Circulava pelo Café São Luís e pelas ruas do Grande Ponto, sempre com alguns jornais à mão e o velho tema, os discos voadores, na ponta da língua. Natal não é São Paulo, óbvio, cidade cosmopolita e aberta a todo tipo de novidades. Aqui ele não conseguiu a mesma repercussão.

Depois se candidatou a um mandato de vereador, mas evidentemente não logrou êxito. A plataforma era do outro mundo. Lembro do projeto de um "Espaçoporto", para OVNIs. Ele queria tornar Natal uma atração turística intergaláctica, vejam só. A guerra nas estrelas iria nos ameaçar, mas pelo menos estaríamos integrados à comunidade estelar. Em pouco tempo faríamos parte das hostes da Força, recebendo na praia de Ponta Negra, Han Solo, Chewbacca e Mestre Yoda. 

Projeto de uma Espaçoporto para Ovnis Foto: Ilustração

Por onde anda Ovni? Voltou para São Paulo ou será que retornou às estrelas de onde teria vindo? Deixou avisos, cartas, previsões, algum sinal? O que terá sido feito do seu clone?  

Toda cidade tem seus tipos interessantes. Hoje, cada vez menos. Faz parte da história e lembranças de cada um. São necessários, eu diria. Quebram um pouco a formalidade das nossas relações e expõem a fragilidade dos nossos protocolos. São criaturas corajosas e ousadas em suas convicções.  

Quem ousa desafiar o relato de Ovni? Não será tudo verdade e tínhamos um alienígena circulando livre nas nossas ruas, rindo das nossas caras incrédulas? Não tenho respostas, claro. Mas quem sabe com esse novo telescópio, o James Webb, fotografando os confins do universo, exibindo novas galáxias e buracos negros, não vamos ver qualquer dia desses Luís Rebouças, o Ovni, em uma dessas fotos, acenando para nós de uma galáxia distante. Não duvido nada. É esperar pra ver.  

Os comentários estão desativados.