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janeiro 28, 2024

TV: começo, meio e fim

NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Acho que sou, de certa forma, privilegiado.

NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor

Acho que sou, de certa forma, privilegiado. Testemunhei o começo e o meio da TV nas vidas das famílias brasileiras, e acho que agora assisto o seu fim. Explico: a TV fez sua entrada em Natal ainda em preto e branco, com as imagens transmitidas do Recife, via TV Jornal do Comércio e TV Rádio Clube, essa dos Diários Associados.

As imagens eram chuviscadas, instáveis e não paravam quietas, ora subindo ou descendo sem parar, ora apresentando listras em diagonal, o que nos obrigava a estar sempre mexendo no botão de controle acionando o comando vertical ou horizontal, sem muito sucesso. E haja girar a antena, botar bombril e até uma sobre tela furta-cor para dar a ilusão de uma TV em cores. Eita, vocês nem imaginam a sofrência que era aquilo tudo.

Mas mesmo com essas imagens precárias, a chegada daquela televisão enorme em nossa casa foi um sucesso. Pessoas se aglomeravam em nosso portão buscando ver uma nesga daquela transmissão. (O muro era baixo, a porta daquelas antigas, com janelinhas, além disso mamãe a deixava aberta para facilitar a visibilidade dos curiosos). Na sala, os mais chegados, vizinhos, parentes e aderentes.

Engraçado, talvez pelo chuvisco, talvez pela casa invadida, não lembro ter sido um adepto entusiasmado da novidade. Era atraído pelas séries. Dennis, o Travesso, versão televisiva de Pimentinha; O Homem do
Rifle; Bonanza; Peter Gunn (inesquecível o tema musical); Broderick Crawford; Ivanhoé; o Zorro. Além dos desenhos, Pepe Legal, Zé Colmeia, e o gato Manda-Chuva, ganhando longe dos outros. Ah, quase esquecia Jeannie é um Gênio e A Feiticeira.

Bonanza
Manda Chuva

Havia as produções nacionais, tipo o Vigilante Rodoviário, Falcão Negro, Alô Doçura, com Eva Vilma e John Herbert, a Grande Família na sua primeira versão com texto de Oduvaldo Viana, o Vianinha. O humor dando seus passos com o Coronel Ludugero, genial criação de Luís Jacinto, aqui do Recife. Chico Anísio brilhava com as dezenas de personagens. A Família Trapo trazia Golias e Jô Soares, já pensaram?

A família via, com um misto de orgulho e admiração, um programa feito por meu tio chamado Encontro com Ernane Dantas, onde ele cantava juntamente com Maria Parisi acompanhado pelo piano luxuoso do maestro Nelson Ferreira. Era a glória.

Não me perguntem de novelas. Nunca vi, exceção talvez, de Irmãos Coragem, uma mistura de faroeste com novelas mexicanas e pitadas de futebol. Ibope total, naquele tempo (o remake, anos depois, foi fracasso absoluto). Mas sei de O Direito de Nascer e uma preta chamada Mamãe Dolores. Lembro de uma novela chamada Redenção, interminável, nada menos que 696 capítulos. A TV tentou trazer para as telas o sucesso do rádio, Jerônimo, o Herói do Sertão, mas foi um desastre.

Roberto Carlos e sua galera mostravam um som que atingia em cheio a garotada. Usavam roupas coloridas, pulseiras, colares, longos cabelos e guitarras elétricas. Tinham claras influências do rock, mas chamavam a esse movimento de Iê-iê-ê. Era o programa Jovem Guarda.

O Rei, junto com Erasmo e Wanderléa cantavam e apresentavam a turma nova, Ronnie Von, Jorge Ben, Eduardo Araújo, Jerry Adriani, Martinha, Deni e Dino, Renato e seus Blue Caps, Wanderley Cardoso e tantos outros que faziam a nossa alegria nas tardes de domingo. Velhos tempos, belos dias.

Os mais intelectualizados olhavam atravessado para o som dos meninos e aplaudiam programa O Fino da Bossa, conduzido por Jair Rodrigues e a maravilhosa Elis Regina. Sinto pena de quem não viu e precisam aturar o The Voice…

Do Recife recebíamos os programas de auditório (a fórmula é antiga). Fernando Castelão apresentava aos domingos o Você Faz o Show, nos sábados a atração era Noite de Black Tie, no mesmo formato. E nesse formato, porém acabando com o uso de smokings e implantando uma forma de conduzir o programa absolutamente anárquica, surgiu Chacrinha, genial. Não posso deixar de fora o programa de Jota Silvestre e os domingos à noite com Flávio Cavalcanti, criador do bordão “nossos comerciais, por favor”.

Chacrinha: "Quem não se comunica, se trumbica"
Flávio Cavalcanti, criador do bordão “nossos comerciais, por favor”.

Pois é, em mal traçadas linhas, foi assim que começou. Agora, vejo de camarote o início do fim disso tudo. Algum espertinho criou a TV paga, os streamings, a Netflix e outra coisas mais, que até a gente se perde, tantas são as possibilidades.

Os celulares são pequenos computadores, neles você vê tudo, Youtube, Netflix, filmes, futebol séries,
alguns até telefonam, pode? As smart tvs também abriram um leque imenso de possibilidades. Com isso a tv aberta definha a olhos vistos.

Novelas? Antes eram o assunto do dia seguinte, todos querendo saber se Albertinho Limonta ia beijar a Isabel Cristina. Havia uma revista chamada InTerValo, com fofocas sobre artistas e disputas entre cantores. Trazia até a programação da semana. Os casais eram xeretados: Francisco Cuoco e Ioná Magalhães, Tarcísio Meira e Glória Menezes, Eva Vilma e John Hebert.

A rede Globo aos poucos perde a liderança que manteve durante tantos anos. O futebol foi picotado. Os telejornais se tornaram desnecessários, já que temos todas as notícias literalmente ao alcance da mão. Restam as grandes competições, Copa do Mundo, Olimpíadas, Libertadores da América, por aí.

Sem querer esnobar, mas sinto falta nenhuma. Tenho boas lembranças dos humorísticos, mas desde a ausência de Chico e de Jô Soares, a coisa meio que perdeu a graça. Se vocês dão risadas vendo o besteirol desses novatos, não tenho nada com isso. Sou da geração de Juca Chaves, Ari Toledo, Zé Vasconcelos, Golias, Walter Dávila, e alguns outros gênios do humor.

No futebol Morais Moreira cantou há tempos,” agora como é que fico/ nas tardes de domingo/ sem Zico no Maracanã?” Fiquem com Cano, Ganso ou coisas parecidas. E a seleção, me poupem. Pelo andar da carruagem não vai ganhar mais nada.

É, acho que vejo os últimos dias da TV aberta. Não que vá fechar tudo de uma vez. Em seus estertores ainda arrebanha muita gente e proporciona altos salários pros ratinho da vida. Rolando Boldrin foi um resistente. Morreu um dia destes, firme nas suas convicções. Fez sempre uma televisão de alta qualidade. Nos mostrou que é possível, sim, existir vida inteligente na telinha.

Rolando Boldrin foi um resistente

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