Todo carnaval tem seu fim (ou voltamos à programação normal)
Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor Eis que passada a Quarta-feira de cinzas termina a folia carnavalesca, e não resisti a fazer uma brincadeira com o título de uma das mais conhecidas canções da banda carioca Los Hermanos, que caiu na (des)graça popular e quase todo mundo ama odiar (e rejeitar piadas com essa música […].
Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor
Eis que passada a Quarta-feira de cinzas termina a folia carnavalesca, e não resisti a fazer uma brincadeira com o título de uma das mais conhecidas canções da banda carioca Los Hermanos, que caiu na (des)graça popular e quase todo mundo ama odiar (e rejeitar piadas com essa música no pós-carnaval). Mas gracejos à parte, fato é que a folia momesca chegou ao fim. Em Natal, capital potiguar, onde passei a festa, nenhum incidente, muita tranquilidade, polos bastante animados, boa programação musical e consolidação dos bloquinhos que dão mais sabor à folia.
Nos demais polos carnavalescos, Brasil afora, os relatos e notícias indicam que, nada houve de mais grave, felizmente. Ouvi e li histórias de assédios, sexismo, mas as campanhas maciças sobre respeito e direitos das mulheres (além da onipresença de câmeras e celulares) parece estar diminuindo esta prática (que na minha juventude era quase uma regra). Que assim seja. Incidentes com trios elétricos ou carros elétricos fazem parte da coisa, é mecânica que chama. Não tem nada a ver com pragas ou vinganças divinas (sim, estou falando da).
Ainda de tretas de alcance nacional e envolvendo celebridades, há que se registrar o nonsense das críticas e comentários maldosos sobre o corpo da atriz Paolla Oliveira (que estaria acima do peso, velha, etc), madrinha de bateria da Unidos da grande Rio, um deslumbre na avenida com fantasia de onça. Mais que sobre Paolla, um desmantelo de mulher, em todos os sentidos, o caso diz mais sobre a percepção masculina e, ainda mais, sobre o país em que nos tornamos.
Não quero cair na armadilha que tanto critico, de achar que o "antigamente" era melhor, mas como saímos de uma realidade onde uma travesti (Roberta Close, em tempos que o termo trans não era usado) era capa e destaque positivo nas revistas para um patrulhamento do peso, da idade, do corpo alheio? Como nos tomamos, como sociedade, tão normativos?
Claro que são perguntas até certo ponto retóricas, as respostas podem estar na ascensão da extrema-direita e sua linha de "guerra cultural" onde o que não for "normal" deve ser abolido. Basta observar as esposas dos Bolsonaros e seu entorno: todas parecem a mesma mulher, loiras, magras, belas, recatadas e do lar
Análise sociológica de botequim à parte, terminado o carnaval, com ou sem música dos Los Hermanos, voltamos à programação normal, com os boletos a pagar batendo à nossa porta, expedientes de trabalho, demandas, reuniões, enfim, a normalidade cotidiana. Como normal e cotidiano também é, para nossa infelicidade, a pulsão antidemocrática do inelegível Jair Bolsonaro. Logo na quinta pós-carnaval, "o primeiro dia do ano de verdade", lemos notícias sobre o ato que ele organiza para o domingo dia 25 na Avenida Paulista em apoio a ele mesmo e contra o STF, com o pretexto absurdo de "defesa da democracia", a mesma democracia que ele despreza e tentou exterminar.
Enfim, que no carnaval de 2025 não seja normal golpista inelegível desafiar a democracia (pela centésima vigésima vez) e que ele esteja onde manda a lei, com a devida apuração de fatos e provas e devido processo legal, como não foi permitido a Lula em carnavais passados. Que no próximo carnaval se normatize e se exija menos dos corpos alheios. Como diz a canção que dá nome a este texto, "Deixa eu brincar de ser feliz/ Deixa eu pintar o meu nariz". Sem se preocupar com os outros, no carnaval e no resto do ano.