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novembro 1, 2020

Tiros na noite

Aldo Torquato, advogado e membro do IHGRN                 Geralmente, às vésperas das eleições, assessores e candidatos procuram criar fatos e factóides que possam mudar o curso do pleito.

Comício da vitória de Aldo Torquato, a prefeito de João Câmara - 1976

Aldo Torquato, advogado e membro do IHGRN

                Geralmente, às vésperas das eleições, assessores e candidatos procuram criar fatos e factóides que possam mudar o curso do pleito. Doenças súbitas, sumiços, ameaças de morte e toda sorte de invencionices são forjadas para tornar o candidato vítima do seu opositor. Até a década de oitenta, tiros de arma de fogo (preferencialmente à noite, quando é mais difícil encontrar testemunhas) eram lançados contra o candidato, na tentativa desesperada de reverter um quadro desfavorável ou consolidar uma maioria ainda não de todo evidente. A historias registra muitos desses episódios.

Líderes políticos, da década de 60, no RN:
Aluizio Alves, Monsenhor Walfredo Gurgel e Dinarte Mariz

                Em 1960, Aluízio dizia-se vítima permanente de um pistoleiro contratado pelo governador Dinarte Mariz, que, tal qual um zumbi, rondava seus comícios e poderia a qualquer momento praticar o ato fatal. Nada disso jamais ocorreu, mas a “ameaça” era explorada como corolário de ações do governo, que acobertara, segundo Aluízio, chacina em Serrinha dos Pintos, à época distrito de Martins, e Cachoeira do Sapo, ainda hoje distrito de Riachuelo. Naquelas pequenas comunidades interioranas, crimes de morte foram praticados e Aluízio Alves, em plena campanha, acusara o governador Dinarte Mariz de dar cobertura aos marginais. Tais bandidos protegidos pelo governo, seriam responsáveis pelas ameaças de morte que estaria sofrendo, dizia Aluízio. Pura imaginação criadora. Estratégia de campanha, hoje em total desuso.

                É verdade, que o ambiente político não era pacifico como o atual. As armas usadas para destruir os adversários eram mais rudes. Atualmente, usam-se recursos mais sofisticados e com maior poder de destruição. Na sandice política que tomava conta dos candidatos, alguns chegavam  a atirar contra o próprio corpo (de raspão, é óbvio) ou contra o próprio patrimônio, apenas para mostrar aos eleitores que foram vítimas de tentativa de assassinato.

                Na eleição municipal de 1968, em João Câmara, ocorreu um desses factóides. O deputado Magnus Kelly, que apoiava Antônio Câmara, candidato a prefeito, mantinha uma guerra de palavras com Chico da Bomba, a quem apelidara de “Chico Traque”. Determinada noite, a cidade foi surpreendida pelo anúncio de que o deputado de Taipu fora vítima de um atentado à bala. Seu veiculo, uma Rural Willys, estava com o pára-brisa quebrado, com um furo à altura da cabeça do motorista. O carro de Magnus Kelly entrou na cidade empurrado pelos seus correligionários e o deputado tratou de falar ao povo às altas horas da noite, somente para comunicar o ocorrido. Segundo ele, retornava da comunidade de Queimadas, onde fora fazer um comício, quando próximo a uma barriguda, que existia à margem da estrada, fora alvejado por um marginal. Por pouco não fora atingido. A bala teria passado de raspão ao lado de sua cabeça e saíra pelo vidro lateral, dissera no momento o deputado ao delegado da cidade, Major Durval.

Foto ilustrativa

                Feita a reconstituição do suposto crime e colhidos os depoimentos de alguns dos ocupantes do veículo, que acompanhavam o deputado na hora do “atentado”, ficou comprovado que o tiro partira de dentro para fora do veículo e fora desfechado pelo próprio. Tudo não passara de uma grosseira farsa.

Propaganda política da campanha para prefeito, em 1968

                Carvalho Neto que fora deputado e prefeito de Antônio Martins, dizia-se constantemente ameaçado de morte, chegando a conduzir um caixão de defunto sempre aberto e ao seu lado, em cima do carro de som, a fim de que nele caísse logo que o atirador cumprisse sua missão, o que, evidentemente, nunca ocorreu.

                Na campanha de Agenor Maria para o Senado, em 1974, quando os primeiros raios de sol já se faziam sentir, estávamos realizando um comício na rua do cemitério, em João Câmara, quando veio a notícia estarrecedora: Agenor havia sido vítima de um tiro em Natal, no enceramento da campanha. Por puro milagre não fora atingido, dizia a reportagem da rádio Cabugi, que cuidou de espalhar a noticia por todo o estado, como um rastilho de pólvora, provocando revolta e indignação entre os eleitores e consolidando a vitória.

Comício de Agenor Maria , em Caicó - 1974 Foto: A Folha Patuense

                Fosse hoje, os mentores de tais artimanhas seriam escorraçados. Tudo tem seu tempo!          

Uma resposta para “Tiros na noite”

  1. Cristiano disse:

    A época é bem distante, mas o teatro da política vive o mesmo tema ” A mentira” povos inocentes e desprovidos de conhecimento sendo ludibriados por uma classe sem escrúpulos…