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maio 7, 2023

TARDES DE CÃO

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor A médica jovem, bonita, simpática, sorriu e afirmou categoricamente: – Não há alternativa.

Fotos Ilustrativas

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

A médica jovem, bonita, simpática, sorriu e afirmou categoricamente:

- Não há alternativa. Não se trata de gostar ou não, o senhor tem que fazer pois é questão de sobrevivência. Relutei. Tentei negociar. Tratava-se da exigência para que eu passasse a frequentar uma academia, esses lugares em que as pessoas se matam de levantar peso e correr em esteiras para ter uma barriguinha tanquinho e peito musculoso. E depois vão comer pizza e beber chopp. Odeio tudo isso. Prefiro um livro, uma rede, um bom filme na TV.

– Mas doutora, uma caminhadazinha na pracinha vizinho à minha casa não resolve?

-Não. Pode fazer também, claro, mas o senhor precisa de tônus muscular para não envelhecer precisando se amparar nos outros ou usando andador.

E sorriu outra vez, mas eu já estava desconfiando que aquele era o sorriso da mulher aranha.

Fazer o que? O argumento me convenceu. Precisar dos outros, nem pensar. Quero poder caminhar sozinho os metros que me separam da minha rede. Então criei coragem, disposição, e três meses depois encarei a tarefa.

De cara, quase voltava da porta. O som que vinha lá de dentro era alto, estridente, desagradável. Será que chamam aquilo de música ou bate-estacas? A recepcionista explicou, era zumba, algo que eu nunca tinha ouvido falar e não perdia nada. De fato, havia pessoas no mezanino executando uma coreografia que fazia lembrar uma mistura das Paquitas da Xuxa com a tribo de índios Guaranis, do Alecrim. E todas pareciam felizes. Engoli em seco, fiz a matrícula, expliquei que não queria vencer nenhum concurso de fisiculturismo, apenas recuperar a forma há muito perdida – se é que algum dia tive algum tipo de forma. Um rapaz fez algumas perguntas, verificou meu peso, pressão e... pronto. Me deu uma senha, imprimiu um folheto que trazia os exercícios que eu deveria fazer. E de repente lá estava eu, caminhando em uma esteira como um hamster-chinês.

As TVs fixadas na parede em frente ajudavam a aumentar o meu mal-estar pois só exibiam filmetes de garotões surfando ondas gigantescas, mergulhando nas profundezas do triangulo de corais, competindo com skates, barcos, bicicletas ou qualquer coisa que se movesse. E todos apregoando as maravilhas da vida saudável. E eu, pobre de mim, pensando na rede avarandada que me aguardava em casa.

Olhando em volta, timidamente, comecei a perceber que rolava um certo exibicionismo hedonista. As pessoas não paravam de se olhar nos espelhos, abundantes pelo espaço da academia. E as roupas realçavam as partes antigamente chamadas de pudendas. Caí na real: eu era um vovô ali, em meio àquelas máquinas que mais pareciam instrumentos de tortura. Torquemada não teria feito melhor.

Concluído os quinze minutos na esteira, lutei para descobrir onde parava aquela coisa. Apertei no botão errado e a máquina danou-se a correr desabalada sob meus pés. Desesperado, pulei de lado, abri as pernas buscando me firmar em uma superfície sólida e gritei pedindo gentilmente ajuda ao meu vizinho:  – Onde se para essa meeerda ?!!!

Bem, isso foi o primeiro dia. Normal as gafes. Vim descobrir depois que é necessário um intensivão de inglês para adentrar aquele universo de uma novilíngua. Senão você não vai jamais saber o que é um leg press, um crucifixo voador, uma puxada semipronada, um tríceps pulley, calf leg e por aí.

Mas o chato de verdade é a humilhação. Fico lá, morrendo para levantar o menor pesinho que achei, aí vem uma meninota com ar de fragilidade e coloca um, dois, três, quatro ou mais daquelas rodas que só em olhar me deixa esgotado, e ergue como se não representasse nada. Dia desses parei frente a uma garotinha que fazia um desses exercícios e perguntei se ainda ia demorar. Ela se ofereceu para revezar no uso da máquina. Ri, esperto, pois a menina era um fiapinho de gente, magrinha de dar pena. Não, tudo bem, disse, superior. Eu espero. Pois então. Quando a garota acabou a série eu ocupei o lugar, exibido, e nem alterei os pesos, imaginando que ergueria com facilidade. Qual o que. Não consegui nem mover aquelas polias. Ainda bem que ninguém viu, acho.

Fiquei rogando pragas ao doutor Cooper, pois foi ele quem começou essa onda de culto ao corpo lá pelos anos 1970. De um dia para o outro foi uma ruma de gente a correr pelas calçadas e parques; homens, mulheres e crianças, tênis nos pés e bonés na cabeça. Lembro que na época reclamei com um amigo que aderira ao modismo:

- Vai morrer do mesmo jeito!

Ele tinha a resposta na ponta da língua:

- E daí? Morro cheio de saúde...

E agora aqui estou. Arrisco uma olhada no espelho e encaro um ancião de cabelos brancos, cambitos finos, barriga protuberante, tentando levantar um par de halteres e baixar um pouco que seja as taxas de glicose e colesterol. Ergo o olhar para o andar de cima e vejo através do vidro uma porção de gente dançando como se estivessem no Carnatal. Decido, com meus botões:

- Semana que vem vou dançar zumba!

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