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abril 16, 2023

Samuel Bolshaw, o inglês da Estrada de Ferro

Ricardo Sobral – advogado, membro da ACLA e do IHGRN BREVES ANOTAÇÕES SOBRE SAMUEL BOLSHAW, O INGLÊS DA ESTRADA DE FERRO, FUNDADOR DO ENGENHO CRUZEIRO, DE CEARÁ-MIRIM.

Engenho Cruzeiro - Ceará Mirim RN

Ricardo Sobral - advogado, membro da ACLA e do IHGRN

BREVES ANOTAÇÕES SOBRE SAMUEL BOLSHAW, O INGLÊS DA ESTRADA DE FERRO, FUNDADOR DO ENGENHO CRUZEIRO, DE CEARÁ-MIRIM. SENHOR DOS ENGENHOS PENEDO, DE AREZ, E O ILHA MARANHÃO, EM CANGUARETAMA, CONSIDERADO A PRIMEIRA USINA DE AÇÚCAR DO RN.

O primata, chefe do bando, reuniu os mais experientes na copa da árvore mais frondosa, de galhos mais fortes. Nem precisava de tal cautela: estavam todos esquálidos, na metade do peso. Era urgente a tomada de decisão. Mostrou a escassez de alimentos ao redor, bateu no tórax alternando os dois punhos fechados e apontou para o horizonte. Ou enfrentariam o desconhecido, os predadores, o desabrigo, ou todos morreriam de fome ali naquele pomar. Descer das árvores e abandonar a zona de conforto, o nome da sobrevivência. O processo evolutivo darwiniano não sofreria solução de continuidade. 

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 Há homens que nascem com esse desiderato: enfrentar o horizonte incógnito, desbravar terras d´além mar e dar sua contribuição à evolução da vida no meio que escolheram para viver.

Samuel Bolshaw, judeu, engenheiro inglês, nascido em Manchester (1838), sempre sentiu dentro de si o palpitar da aventura, chamamento para desbravar o novo mundo. Desde menino demonstrou o espírito aventureiro que o trouxe ao Rio Grande do Norte e que o transformaria em um ser extraordinário, exponencial.

 Chegou a Natal em 1869, com 30 anos de idade. De plano, encantou-se com as belezas de suas praias. Inaugurou suas atividades empresariais na terra de Potiguassu com a fundação de empresa de rebocadores para navios, operada através de barco a vapor, com a qual, em sociedade com Afonso de Paula de Albuquerque Maranhão, prestou serviços ao governo da Província do Rio Grande do Norte, então presidida por Elviro Carneiro da Cunha.

 Em seguida, atraído pela fertilidade do seu vale, logo passou a morar em Ceará-Mirim, onde fundou o Engenho Cruzeiro, equipando-o com o que havia de mais moderno na época. Interessante registrar que a Capela do Engenho Cruzeiro, ainda hoje bem preservada, arquitetonicamente, é diferente de todas as outras construídas no Rio Grande do Norte.

Engenho Cruzeiro
Capela do Engenho Cruzeiro

Sendo judeu (jus sanguinis, não jus solis) é factível que sua intenção tenha sido construir uma sinagoga para professar sua fé e nela educar sua prole. Há, porém, uma segunda versão: A capela teria sido construída (1905) pelo novo proprietário do engenho, Francisco Soares. Não é ponto pacífico. Incontroverso, porém, é que houve alteração no prédio. Os quatro vitrais laterais foram substituídos por janelas de madeira. As cruzes podem haver sido introduzidas com essas modificações.

Outra controvérsia: a construção da casa-grande não pode ser de 1899, como dizem ter uma placa nesse sentido. Ora, em 1899, Samuel estava morto, desde 09 de janeiro, e desde 1881 estava morando entre Canguaretama e Arez. O Engenho há muito não era mais seu. A casa-grande foi construída em data próxima ao seu casamento. A placa, se existiu, é alusiva a outra efeméride familiar.

Ruínas da Casa Grande do Engenho Cruzeiro - Ceará-Mirim - Foto: Flickr

 Com efeito, em 1872, Samuel casou-se com Joaquina de Castro Barroca, filha do Dr. Victor José de Castro Barroca, proprietário do Engenho Verde Nasce (onde nasceria o Escritor Nilo Pereira, no início do século XX), vizinho ao seu Engenho.

Bolshaw expandiu seus negócios, passando a plantar cana-de-açúcar nos vales do Punaú e do Fonseca, no Município de Maxaranguape. 

 Estimo que sua permanência no vale verde tenha durado pouco menos de dez anos, posto que já em 1881, Samuel estava trabalhando como engenheiro na construção da estrada de ferro Natal-Nova Cruz, percurso de 121 km, arrendada à companhia inglesa Great Western Railway.

Pontilhão da estrada de ferro entre Parnamirim e São José de Mipibu - Vídeo "Nossa Trilha" - You Tube

 Uma vez concluído seu trabalho na estrada de ferro, o movimentado inglês, empreendedor nato, ao lado de seu antigo sócio na Companhia de Rebocadores, funda em Canguaretama, o Engenho Ilha Maranhão, considerado a primeira usina de açúcar no Rio Grande do Norte.

 Em 1890, Samuel tornou-se Senhor do Engenho Penedo, em Arez, onde radicou-se definitivamente. Alí, já residia Maria Paulina de Castro Barroca, sua cunhada, casada com João Pegado Cortes, natural daquele município. O Engenho Penedo, sob o comando de Samuel, ganhou notoriedade pela excelência do açúcar e da aguardente que produzia.

 No tempo em que morou em Arez foi vice-consul da Inglaterra, no Rio Grande do Norte.

 Faleceu naquele município do litoral Sul, onde foi sepultado no cemitério histórico local, sendo o seu túmulo o segundo mais antigo, no qual se encontra o seguinte Epitáfio: In Memory of Samuel Bolshaw. Born at Manchester in 1838. Married at Ceará-Mirim in 1872. Departed this is life jan. 9th 1899. Restin in peace (tradução livre: Em memória de Samuel Bolshaw. Nascido em Manchester em 1838. Casado em Ceará-Mirim em 1872. Partiu desta vida em 09 de janeiro de 1899. Descanse em Paz).

Cemitério Histórico de Arez/RN: Samuel Bolshaw o “inglês da estrada de ferro”, nascido em Manchester

 Em sua Certidão de óbito, registrada no Cartório Único de Arez, às folhas 07, do Livro C-1 de Óbitos, Termo 10, consta que era casado com D. Joaquina Theodora Bolshaw, e que faleceu às 19h30 horas do dia 09 de janeiro de 1899, de uma congestão cerebral.

 Deixou dois filhos do casamento: Albert Bolshaw, que com 19 anos, registrou seu óbito e Alice Bolshaw de Salles, que foi casada com Alfredo Cândido de Salles. Deixou também filhos naturais, dos quais ainda hoje se encontram descendentes em Arez. Um neto de Samuel, Itamar Bolshaw Gomes, seguindo os passos de seu pioneirismo, foi quem comandou a equipe que fundou o Banco do Nordeste, no Rio Grande do Norte, seu primeiro gestor. 

 O jornal 'A República', edição do dia 11 de janeiro de 1899, noticiou seu falecimento em nota elogiosa, registrando que Odilon Garcia, Pró-Consul, da Inglaterra, conservou a bandeira do vice-consulado de Natal, em meia haste em sinal de luto.

 Escreveram sobre Bolshaw, Câmara Cascudo e Claudionor Barbalho. 

 Samuel, o incansável empreendedor, que ficou conhecido como o "Inglês da Estrada de Ferro", marcou a história do Ceará-Mirim, construindo uma das mais belas casas-grandes de engenho aqui edificada, e contribuiu fortemente para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte, de sua época, feito que, para lhe ser justo, não pode ser esquecido pelas novas gerações.

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