Valério Mesquita (mesquita.valerio@gmail.com)
01) De Pery Larmartine, acadêmico e amigo, recebi e transcrevo a história que se segue, de agradável sabor luso-potiguar. “Augusto Severo Neto, só pelo nome chega-se facilmente às suas origens: os Albuquerque Maranhão, homens decididos que dominaram a política do Rio Grande do Norte por muito tempo. Augusto não queria nada com a política, era um homem voltado para a cultura, poeta, escritor e um grande viajor. O pai, Sérgio Severo, era comerciante na Ribeira, com representações dos rádios Phillips e os rolamentos SKF. Quando a firma passou para o controle de Augusto, tratou logo de encerrá-la para ter a liberdade de viajar. Era fluente na língua francesa e frequentemente ia a Paris. Não dispensava uma parada em Lisboa para assistir show na Casa de fados "A Severa", tomar aperitivos de jinja com sardinha na brasa lá na Feira da Ladra, e vadiar pelos becos estreitos de Alfama, visitar o castelo de São Jorge e comer bacalhau com um bom vinho português no restaurante João do Grão. No retorno de uma dessas viagens, encontrou-me na via pública e foi logo dizendo: “Não vou mais a Lisboa. Fui maltratado lá por um f.d.p. chofer de táxi”. Conversa vai, conversa vem, aí perguntei: “Encontrou algo de novo de Camões na Livraria Bertrand?”. “Não”, disse. “Mas vi nas mãos de um camelô na praça Marquês de Pombal uma quadrinha sacana que anotei: “Luiz Vaz de Camões / Grande vate português / Via mais com um olho só/Do que nós todos com os três””.
02) No Grupo Escolar Isabel Gondim, à noite, funcionava a Escola Técnica de Comércio Alberto Maranhão, sob a direção do austero Acrísio Freire, de bem lembrada memória. No corpo docente, entre outros valores, lecionava o saudoso professor Orlando Garcia, ex-vereador em Natal. Mais amigo que mestre, Orlando sempre dialogava com os alunos durante o intervalo. Certa vez, segurava um cigarro já pronto para riscar o fósforo. O diretor Acrísio – que não fumava – foi chegando e exclamando: “O senhor vai acender isso, professor?”. Antes da resposta, um aluno ao lado perguntou: “O que o senhor acha do cigarro, professor Acrísio?”. O velho foi científico: “Vou substituir agora um professor de geometria na sala 08. E aproveitando, lhe respondo: o tal cigarro é uma forma cilíndrica que equilibra uma brasa numa extremidade e um suicida na outra”. E tomando o cigarro do professor, finalizou: “Vou acender esse depois da aula, pra ver que gosto tem”. O bom Orlando Garcia passou muito tempo para discernir se aquilo era uma proibição ou uma pedagógica maneira de filar um cigarro.
03) Em Augusto Severo, antigo Campo Grande, Valmir Targino conversava amenidades com uns amigos, quando entrou o assunto inverno. A época chuvosa estava demorando e Valmir já se preocupava com o seu rebanho. “E aí compadre”, disse a um velho amigo agricultor, “o inverno vem ou não?”. “Compadre Valmir”, responde o outro, “minha esperança vai até o dia de São José.” O deputado, cético que era, refutou: “Que José que nada. Zé não ligava nem pra casa dele... Vai ligar pro meu gado com sede!”. O velho sertanejo fez o sinal-da-cruz e saiu de perto. Um mês depois, o inverno pegou pra valer enchendo barreiros e açudes. Mais de cinco postes na propriedade de Valmir foram parar dentro do rio. O ex-deputado encontrando o velho amigo, sugeriu: “Compadre Simião, eu já pedi desculpas a São José. Agora peça por mim, que a sua fé é maior que a minha malcriação.”
04) Anos 60. Às 23 horas desligavam o “motor da luz” e, Assu ficava sob a luz das estrelas. Era assim em quase todo o Rio Grande do Norte. Chico Coró havia sido nomeado guarda noturno responsável pela segurança da praça Getúlio Vargas. Convertido ao evangelho, Chico varava o serviço cantando hinos e louvores. Certa noite, Valter Sá Leitão – a irreverência em pessoa – resolveu pregar-lhe uma peça. Praça às escuras, Valter cobriu-se com um lençol branco e no total escuro, esperou a passagem do guarda debaixo de um pé de fícus. Sentado diante do vigilante municipal abriu os braços; O pobre do Chico falou: “Só pode ser uma benção! Diz, minha alma, qual a tua mensagem para este mundo de perdição”. A aparição nada dizia. “Fala, alma bendita”, disse Chico Coró, “amanhã vou dar meu testemunho. O que queres de mim?”. Vendo que a assombração não metia medo ao religioso homem, apelou para a ignorância: “Eu quero o seu c...”. “Dou-te figa, alma sebosa”, desembuchou Chico Coró, “eu vou é moer você no cacetete, alma senvergonha!!!”. Valter vendo que “o pau ia comer”, jogou o lençol fora e saiu em desabalada carreira e se perdeu dentro da noite.
O causo da alma foi o máximo.