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dezembro 3, 2023

PASTORES E PASTORINHAS

NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor A nossa cidade tem uma história riquíssima, Mestre Cascudo que o diga.

Pastoril de São José de Mipibu- Blog de Daltro Emerenciano


NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor


A nossa cidade tem uma história riquíssima, Mestre Cascudo que o diga. Mesmo que seja uma história recente. Múltiplos personagens que parecem saído da imaginação de escritores talentosos. Casos e relatos que beiram o extraordinário.

Qual cidade tem, em seus mitos fundantes, uma história como a da nossa Santa Padroeira? Alguém há de dizer: - Há várias, Aparecida, Lourdes, Nossa Senhora de Guadalupe. Mas nenhuma com o sabor adicional dos mistérios que cercam a querida Nossa Senhora da Apresentação, a começar pela forma como apareceu no rio Potengi amado dentro de uma caixa presa entre as pedras, mão vazia estendida como a segurar alguma coisa, um rosário ou um cetro.

Imagem de Nossa Senhora da Apresentação - Natal RN

Até a dupla identidade: Senhora do Rosário ou da Apresentação? E o que dizer da frase inscrita no caixote: “Onde esta caixa parar/nenhum mal acontecerá”?

Apenas a maciça presença americana na Segunda Grande Guerra já seria tema para inesgotáveis estudos. Os galegos interagindo com a população nativa, frequentando os prostíbulos, namorando nossas jovens, trazendo novos hábitos - chicletes, Coca-Cola – e a força de uma cultura estrangeira, deixando entre nós inúmeros sararazinhos.

Os Americanos em Natal | Fotos & Verbos

A lenda que se criou em torno da figura da viúva Machado que de empresária bem-sucedida tornou-se um papa-figo a assombrar as crianças. Gente interessante como Zé Areia ou Severina embaixatriz; heróis como Felipe Camarão ou André de Albuquerque, intelectuais e artistas brilhantes como Newton Navarro e Veríssimo de Melo; poetisas como Auta de Souza; representações folclóricas com origens no litoral
ou no sertão, o coco de roda, o fandango, o congo, o boi de reis, a chegança, o pastoril. Feitos memoráveis como o do grupo de remadores que conduziu uma iole ao Rio de Janeiro.


Mais de 2 mil km no mar: Travessia de remadores de Natal ao Rio de Janeiro - Foto G1

Temos uma gastronomia igualmente rica. Se não acredita, experimente viajar e dar de cara com tanta comida ruim. Nada supera nossa carne de sol com farofa d’água, macaxeira e feijão verde, a paçoca, a ginga com tapioca, o beiju, o sequilho e a broa com caldo de cana. Depois, adoce a boca com rapadura batida feita em Portalegre. Agora se você prefere hamburguer, bacon, ou batatas fritas, o que há de se fazer?

As lendas que enriquecem nossa tradição nem são contadas na escola. A do carreiro que maltratava os bois e despencou junto com os animais e o sino da igreja nas águas escuras da lagoa de Extremoz. Os pescadores da Vila de Ponta Negra falam, a boca pequena, do tesouro que se oculta sob as areias do Morro do Careca.

Monumento do Padre João Maria, merece coisa melhor que aquela praça que está desonrando a sua memória - Foto Flickr

Vultos religiosos? O Anjo da cidade, o Padre João Maria, com certeza, merece coisa melhor que aquela praça que está desonrando a sua memória. Foi uma grande alma, e a sua história devia ser contada às crianças e turistas. O monsenhor Expedito aguarda uma biografia que lhe faça justiça. Os três padres alemães da paróquia do Sagrado Coração de Jesus também, com certeza, merecem nossa homenagem, seja uma rua ou uma praça, além da divulgação da sua saga às novas gerações.

As festas As populares também têm sua força e brilhantismo, apesar dos passar dos anos e o descaso do poder público terem diminuído a sua importância. A festa de Reis, lá na antiga Limpa, com seus barquinhos coloridos cheios de farinha de milho; a da padroeira, que deveria comportar quermesses, parques, música nas ruas, além das habituais celebrações. Quase esqueço de falar nas festas juninas, na minha opinião, a melhor de todas. Além do Natal, claro, que aqui, em nossa cidade, deveria ser mais comemorado do que o de Gramado, que, convenhamos, está mais para festa italiana ou alemã do que para uma tradição brasileira. E que deve parte do seu sucesso ao marketing turístico.

Qual cidade brasileira mais se presta a uma grande comemoração natalina? A começar da Fortaleza dos Reis Magos, em formato de estrela, a marcar o seu acesso e acolher os visitantes. A data da fundação da cidade, a mesma do nascimento do menino Jesus, segundo a tradição.

Forte dos Reis Magos
As bênçãos com que somos agraciados desde sempre, favores da Sagrada Família especialmente atenciosa para com os potiguares. E que nessa data estejam nas ruas os nossos grupos folclóricos, conduzidos pelos abnegados mestres, principalmente as Pastorinhas que saúdam o nascimento do
mestre Jesus.
“Boa noite a todos/ 
À nossa chegada/
somos pastoras/
Pastorinhas belas/ 
Que alegremente/ 
Vamos a Belém”.

Sei não, mas no presépio que a minha mãe armava todos os anos com tanto carinho, havia carneiros, vacas, bois e burricos, patinhos nadando em um lago feito com um espelho, pastores, os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar e seus camelos, anjos e a estrela guia, José e Maria guardando o menino Jesus, mas não lembro de nenhum velhinho vestido de vermelho a perambular por ali com um saco nas costas

Mas enfim, tudo é possível, até acrescentar um novo mago aos três que conhecemos, pois era assim que a minha tia cantava: 
“Melchior, Breché, Gaspar e Baltazar/
 Reis Magos todos os três/ 
Vieram do Egito/ 
Visitar o Rei dos reis..."

Quem havia de corrigir, braba como ela era?

Uma resposta para “PASTORES E PASTORINHAS”

  1. Solrac disse:

    Nilo Emerenciado, sempre NILO, maravilhoso, completo.