PALAVRAS, PALAVRAS, PALAVRAS

abril 30, 2023

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor O presidente Luís Inácio Lula da Silva no dia 18 de abril, em Brasília, chamou as pessoas portadoras de transtorno mental de “desparafusadas” ou, mais precisamente, de terem “desequilíbrio de parafuso”.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

O presidente Luís Inácio Lula da Silva no dia 18 de abril, em Brasília, chamou as pessoas portadoras de transtorno mental de “desparafusadas” ou, mais precisamente, de terem “desequilíbrio de parafuso”. Isso hoje, no tempo das lacrações e do politicamente incorreto, representa um desastre. A AMNE, Associação de Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia, afirmou tratar-se de uma declaração capacitista e desrespeitosa.

 Fui no Google, claro, ver o que seria isto. Capacitismo é crime. Significa discriminação e preconceito contra pessoas com deficiência. Pra mim, que sou de uma geração anterior, a fala não passa de um lapso, um descuido, ou falta de tato. Ato falho, na verdade.  Dá pra perceber que tendo a minimizar essas coisas, o que talvez seja um erro.  O jogador Daniel Alves, quando jogava no Barcelona, apanhou uma banana que foi atirada da torcida, descascou e comeu. Essa é a resposta certa, pensei.

Capacitismo é crime. Significa discriminação e preconceito contra pessoas com deficiência

Minha mãe usava essa expressão, desparafusado. E tantas outras. Os gays ela dizia “amulherados” o que me fazia rir. Bicha, gay, veados ou coisa que o valha não constava do seu vocabulário, muito menos LGBT+. Mais tarde ela tentou renovar o repertório e começou a falar homemsexual. Rindo, eu respondia: - Mamãe, homem sexual sou eu, meu irmão e até papai. O certo é homossexual. Ela ria também mas repetia depois o mesmo erro.

Dizem que Lampião, fugindo dos "macacos" (soldados), após passar uma noite refugiado em uma casa, deixou dinheiro embaixo dos santos do oratório, menos em um, São Benedito. Perguntado por quê, teria respondido: - Onde já se viu santo preto? Um homem que tirava um bicho-de-pé com a ponta da faca, perguntado o que fazia respondeu: - Tou tirando aqui esse poeta...

Minha avó, sertaneja das antigas, tinha um discurso carregado de expressões preconceituosas, “normais” no interior: nego em pé é um toco, deitado é um porco. Negro quando não faz na entrada faz na saída, e por aí, isso apesar de casada com o meu avô, que era tudo, cafuzo, mameluco, caboclo, índio, preto, menos um homem branco. Como Chico Buarque disse em Portugal, temos em nosso sangue mistura de açoitados e açoitadores.

Anos atrás eu fazia um programa de entrevistas na rádio, o "Estação da Luz", da Federação Espírita do Rio Grande do Norte. Numa dessas noites entrevistei o presidente do Instituto dos Cegos. E haja a falar cego pra cá, cego pra lá. O rapaz da técnica me chamou a atenção: - Não é cego, é deficiente visual! No intervalo indaguei do entrevistado como ele preferia ser chamado, cego ou deficiente visual. Ele foi taxativo. “- Chame cego. Não sou deficiente visual, sou cego.” Lembrei dos negros americanos e do orgulho que eles têm da própria cor.

Me incomoda, a mim, que já passei dos 60, essa linguagem visual usada para definir vagas para idosos. Um homem curvado apoiado em uma bengala. Em que planeta esse pessoal vive? Nem sou curvado nem uso bengala e mais das vezes dispenso a coisa do preferencial, pois gozo de perfeita saúde. E saibam, a expectativa de vida do brasileiro cresceu. Além disso, com as conquistas das ciências médicas, espero dobrar a curva dos cem. E asseguro, não vou me incomodar que me chamem velho, pois velho é o que serei.

Na verdade, viver ficou um pouco chato. Fico a pensar nos humoristas. Que tipo de humor vão fazer, aquele humor chato do Zorra? O alvo das piadas eram os portugueses. Tenho um estoque de piadas de português insinuando burrice. Talvez seja lusofóbico? Ari Toledo chamava os franceses de frescalhões e todos riam. Japoneses tinham pinto pequeno, era do conhecimento geral. As louras, coitadas, não primavam pela inteligência, tipo Ofélia, em Chico City ou Magda, em Sai de Baixo. Aliás, Chico Anisio fazia um pai de santo gay, além de Haroldo, o hétero.  Jô Soares criou o impagável Capitão Gay. Tom Cavalcante, Zé Vasconcelos, Juca Chaves e todos os que vivem de humor escolhiam alvos para suas piadas, inclusive os homens traídos pelas mulheres.

Fernandinho (Lucio Mauro) e Ofélia (Claudia Rodrigues), personagens de 'Zorra TotalFoto: Eduardo Naddar/TV Globo

Ari Toledo fez sucesso cantando uma canção que falava de um pau-de-arara que, esfomeado, comia giletes na praia de Copacabana para sobreviver. Seria isso rir da miséria humana? Talvez seja. Mas Mazzaropi era um jeca miserável, descalço e sem educação formal. Chaplin fazia um vagabundo que dormia nos bancos de praça. A cor de Muçum era alvo de piadas, e incontáveis as insinuações sobre a virilidade de Zacarias.

Enfim, sei que a ideia é fazer uma sociedade mais equilibrada e justa. E sobretudo respeitosa. Em que sejam sadios a paquera, a amizade e até as discussões e insultos sem que se tenha medo de levar um processo nas costas. E que as pessoas possam falar galanterias, dançar ou fazer convites sem medo de acusações de assédio. Mas sei também que a linha é muito estreita.

O caso Marcius Melhem é um exemplo. Difícil definir quem assediou quem. As mulheres, em busca de oportunidades? Ou o chefe abusando da sua condição na hierarquia da TV Globo? Ou a responsável é uma advogada buscando projeção em um processo rumoroso envolvendo famosos? Quem sabe há de tudo um pouco, inclusive a cobertura tendenciosa da imprensa?

E quando são autoridades a falar bobagens? Figueiredo disse que daria “um tiro no coco” se ganhasse salário mínimo, o que poderia ser interpretado como indução ao suicídio coletivo. E que preferia cheiro de cavalos ao do povo. Nada frente a infinidade de besteiras perigosas faladas pelo homem que exerceu por último a presidência da República. De “gripezinha”, se referindo a covid que matou 700 mil pessoas a “não sou coveiro”, quando tentava se eximir de responsabilidades pelas mortes.

Daria pra rir, não fosse tão trágico e criminoso.

2 respostas para “PALAVRAS, PALAVRAS, PALAVRAS”

  1. Crisólita Thé Bonifácio disse:

    Ze, sua crônica está muito bem montada. Mas, não devemos esquecer que um erro não justifica o outro. O atual presidente do nosso País é de uma insensibilidade a toda prova. O amanhã mostrará!

  2. Margarete Leonarda Medeiros disse:

    Palavras, palavras e palavras. Nos apegamos a palavras e esquecemos de sermos os verdadeiros críticos desses governantes que saqueiam nosso país e ainda sai na foto como salvador da pátria.