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dezembro 20, 2020

Os blocos dos ‘bacanas’ de Natal

Roberto Patriota é Jornalista e escritor Durante as décadas de 60, 70 e inicio dos anos 80 do século XX, passar o carnaval nas praias ou no campo era um castigo aplicado pelos pais a filhos rebeldes, uma espécie de punição por mau comportamento ou baixas notas no boletim escolar.

Roberto Patriota é Jornalista e escritor

Durante as décadas de 60, 70 e inicio dos anos 80 do século XX, passar o carnaval nas praias ou no campo era um castigo aplicado pelos pais a filhos rebeldes, uma espécie de punição por mau comportamento ou baixas notas no boletim escolar. O desejo de dez entre dez jovens acima dos 18 anos era brincar o carnaval em um dos muitos blocos existente em Natal.

Apesar do passar dos anos, ainda hoje, poucos sabem da longa trajetória dos tradicionais "blocos de elite” de Natal. Existe muita distorção, desconhecimento e um certo preconceito por conta do nome "elite". Não eram agremiações de ricos ou milionários como já frisava uma marchinha de bloco da época - "a nossa elite não é a dos milhões, é a elite dos maiores foliões". Boa parte dos seus componentes eram estudantes oriundos da classe média, embora a diversidade fosse o ponto alto desses blocos, cabendo espaço para pessoas de quase todas as classes sociais em função da facilidade que existia para o pagamento das mensalidades, também conhecida como "jóia".

O único bloco que fugia essa regra era o Jardim da Infância, fundado em 1946, e que reunia jovens das famílias mais abastadas de Natal, representando uma elite econômica e também política, já que vários membros desse bloco assumiram tempos depois elevados cargos na política do RN.Até meados da década de 40 do século passado os blocos tidos de elite, saiam às ruas em caminhões. As carrocerias eram estilizadas com desenhos de motivos carnavalescos com personagens símbolo do carnaval.

Até meados da década de 70, lanças perfumes davam brilho e alegria aos foliões. Depois da dificuldade em adquiri-las em função do alto custo imposto pela proibição, a velha "loló" uma mistura química perfumada foi aos poucos substituindo as lanças. Mesmo assim, até o inicio dos anos 80, era possível conseguir lanças perfumes da marca "Rodouro", importada da Argentina, chegava aqui com valor muito elevado, o que a tornava raro e ao mesmo tempo muito cobiçada pelos foliões mais endinheirados.Ainda nos anos 60 esses blocos adotaram carroções puxados por tratores, em geral eram três as alegorias, sendo a do meio reservada para a banda do bloco. A decoração das alegorias era o ponto alto dos blocos nas ruas, entre um "assalto" e outro. O nome do bloco ficava sempre em destaque nas laterais e traseiras dos carros alegóricos. A animação dos foliões era garantida por uma pequena orquestra de sopro, diferente dos blocos das décadas de 40 e 50, quando eram os componentes dos blocos que tocavam os instrumentos musicais.

Um dos pontos mais altos desses carnavais eram os famosos “assaltos”, que se resumia às visitas que os blocos faziam as várias residências, durante todo o dia, geralmente casas de familiares ou de amigos dos componentes. Essas visitas eram previamente acertadas com os donos das residências selecionadas e ocorriam até o final da tarde. Essas casas eram geralmente amplas e algumas com piscina. Durante os “assaltos” os foliões eram recebidos com muita bebida e salgadinhos. Em meados da década de 70 esses "assaltos" se sofisticaram, se transformando em grandes churrascos com impressionante fartura de bebidas, principalmente cerveja em lata e refrigerantes, agora essa farra toda era bancada pelos blocos e não mais pelos donos das residências.

A orquestra do bloco tocava em média cerca de duas horas, com intervalo para o descanso dos músicos que geralmente era de 30 minutos. Quando a alegoria do bloco e os carros de apoio paravam em frente à residência que seria visitada, à frente da casa se enchia de curiosos que acorriam ao local para também participarem da festa, mesmo que do lado de fora. Durante vários anos fui componente do bloco Akonxego, junto com meu irmão Ricardo e muitos amigos mais chegados. Além do Akonxego existiam dezenas de outros blocos famosos em Natal, entre eles o Ressaka, Baderna, Puxa Saco, Bakulejo, Elite, Jardim da Infância, Saca Rolha, Psyu, Bakurinhas, Cafajestes, Mundiça, Kuxixo, Os Magnatas, Xafurdo, Jardineiros, Arrocho, Meninões, Colônia Pinel, Kalifas, Apaches entre tantos outros. À noite, depois dos vários "assaltos" da programação diurna, muita bebida, comida e folia os componentes desses blocos corriam para suas casas para um breve repouso e por volta das 23h estavam quase todos de volta para enfrentar as maratonas dos bailes noturnos.

Os blocos se dividiam nos diversos clubes natalenses como AABB, Aeroclube, Assen, Camana, Iate etc. O ponto alto, no entanto, eram os bailes do América FC. Era no América que os principais blocos da cidade festejavam a madrugada, divididos em camarotes e mesas de pista. Durante muitos anos, até mesmo no Carnaval de 1983, o América batia recordes seguidos de lotação, num crescente frenesi. Exaustos os foliões nem sempre conseguiam espaço para descansar no chão dos corredores do clube, tal era a superlotação. Muitas vezes a alternativa era recorrer aos banheiros ou procurar repouso nos estacionamentos fora do clube.

Com a “Tragédia do Baldo” no sábado de carnaval de 1984, quando um ônibus da Empresa Guanabara atropelou o bloco "Puxa Saco" matando dezenas de pessoas entre músicos e componentes dessa agremiação deixando a subida da Avenida Rio Branco, lavada de sangue, tudo mudou radicalmente em um passe de mágica. O acidente teve grande repercussão na imprensa nacional e um abatimento coletivo tomou conta de todos, ninguém conseguiu entender nem aceitar aquela desventura. Depois daquele imprevisto fatídico o tradicional carnaval de Natal de blocos e clubes jamais foi o mesmo. No ano seguinte, no carnaval de 1985 poucos dos tradicionais "blocos de elite" voltaram às ruas e aos clubes.

Uma repentina e já crescente debandada para as praias dos litorais norte e sul do Estado tomou conta de todos. O trágico acidente gerou uma espécie de fuga coletiva, todos queriam esquecer aquela tragédia. Os jovens foliões natalenses, antes fiéis entusiastas do carnaval de blocos e clubes da cidade, sumiram em busca das folias das praias. E o que restou do carnaval de Natal se concentrou na Ribeira. Só em dezembro de 1991, foi criado o Carnatal, carnaval fora de época de Natal como tentativa de resgate, mas não era a mesma coisa. O Carnatal conseguiu apenas recuperar um pouco do que foi um dia a folia de blocos e clubes da capital do RN, mas jamais ocupou o mesmo espaço ou conseguiu substituir o que foi deixado para trás.Nos últimos anos com a crescente violência nas praias, uma nova onda de euforia carnavalesca vem tomando conta do carnaval natalense, e hoje muito se fala no resgate do carnaval tradicional, dos blocos e dos bailes noturnos. Se de fato esse processo se consolidar, será um grande presente para a atual e futuras gerações de foliões que desconhecem essa modalidade fantástica e sadia de brincar um carnaval diferente e marcante, ao lado de amigos e familiares. Vamos todos torcer para que esse resgate seja completo e duradouro. Seguindo esse caminho uma parte importante das nossas tradições carnavalescas será resgatada à bem da memória, turismo e cultura do Rio Grande do Norte.

Uma resposta para “Os blocos dos ‘bacanas’ de Natal”

  1. Rozanne disse:

    Fui do Puxa-Saco e tive um grande livramento qdo no dia daquele grande acidente no Baldo envolvendo o bloco que matou muita gente, não pude comparecer. Deus me livrou da morte.