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agosto 27, 2023

O seminarista e as meninas

Nilo Emerenciano – Arquiteto e escritor Tenho um amigo que vai se ordenar padre da igreja católica romana.

Cartaz do filme O Seminarista

Nilo Emerenciano - Arquiteto e escritor

Tenho um amigo que vai se ordenar padre da igreja católica romana. Faço o registro porque não é muito comum, em meu grupo, amizades com essa gente. Afinal, seminaristas não dançam, não vão a futebol, não contam piadas nem falam da vida alheia. E olhem que eles vão saber bastante das intimidades das pessoas através do instituto da confissão. Imagino o que os padres ouvem e não gostaria de estar no lugar deles, guardando tantos segredos escabrosos. Já pensou como sofre o confessor de Bolsonaro?

Mas como dizia, um amigo vai ser ordenado padre no final do ano. Bem-humorado, dono de uma bela risada, sem preconceitos quaisquer que sejam, o tipo de pessoa de bem com a vida. Fujo, claro, de assuntos que o constranjam, mas não me furto de brincar e até fazer piadas.  Aliás, ele próprio me contou que no avião em viagem de volta à terrinha, ria muito em conversa com o passageiro do lado. Em dado momento o homem perguntou: - O senhor é padre? O meu amigo riu e perguntou por sua vez: - Por que pergunta isso? – Porque que quem ri muito ou é padre ou gay. Foi a vez de outra bela risada e o comentário aliviado – Sou padre, sim, graças à bondade de Deus!

Pois bem, há uns dias conversávamos e ele se tornou sério antes de perguntar se podia contar com a minha discrição. Titubeei, pois não sou muito de guardar segredos. Mas confirmei enfim, pensando que não devia ser nada de grave. E, vejam só. Ele havia o lido o livro "Cabarés em Natal", de Gutenberg Costa, sucesso de vendas, e lamentava jamais ter entrado em um desses lupanares. – Nunca! Assegurou. - Nem Maria Boa, Arpege, Rita Loura ou similar.  Eu não soube o que dizer. Apenas lamentei, claro e me afirmei solidário com ele.

Foto: José Alves

- Quer dizer que você é donzelo? Ele ficou vermelho e baixou a vista.

– É, padre, eu disse.  Não sabe o que está perdendo.

- Não sei, mas imagino, meu amigo, esse é o problema. Imagino! E soltou sua risada contagiante.

Meu amigo seminarista foi pegar duas taças de vinho de missa, erguemos um brinde a Jesus e sua misericórdia e só então ele entrou no assunto principal.

- Queria ir, dizia ele, pois nunca é tarde, conhecer uma dessas casas de tolerância. Ver como essas criaturas vivem e talvez conversar com uma delas. Sem me identificar, é claro, reiterou. 

- Como posso falar do pecado sem vê-lo de perto?

- E onde é que eu entro nisso, perguntei.

Preciso que você me leve, seja meu guia nesse cabaré tour. E riu de novo.

Expliquei que o tempo dos cabarés passou. A repressão sexual quase sumiu de todo, os namorados são muito mais que namorados. E eu também nunca fui useiro e vezeiro desse recurso extremo. Sem vaidades, nunca precisei, além de não me agradar aquela coisa de pagar por sexo. Não sou santo, mas explorar essas meninas não entra na minha cota de canalhices. Ele ouviu atento e ao final repetiu:

- Mas me leva assim mesmo?

E lá fui eu me informar sobre o que no meu tempo a gente chamava beréu. Descobri que há, sim, alguns chics ali na área de Ponta Negra, coisa sofisticada, de belas e caras mulheres. Mas não era isso que o futuro padre tinha em mente. Foi aí que o Capitão, um velho conhecido, me orientou.

- Homem, ali pertinho, no Alecrim, é cheio desses ambientes disfarçados sob o nome da bares. E me indicou o que ele achou mais adequado para pessoas como nós.

– Vá de dia, é mais discreto. 

E fomos. Antes, claro, conversei direitinho com o meu companheiro de aventura, afinal ele era neófito nessas coisas.

Foto: José Alves

- Nada de dar bandeira, revelar sua condição, ok? Esqueça o amém, tá bom? – Am, respondeu. - Começou mal, pensei. - E nada desse troço que você usa no pescoço, o cabeção. Nem aleluias ou glória. Nem tente converter ninguém, combinado? Aja como um observador. – Amém, quer dizer, combinado.

Na verdade, até eu me assustei. Fazia séculos que não entrava em um ambiente desses. Escuro, paredes vermelho-sangue, sem janelas, fumaça de cigarros, música horrorosa. Algumas mesas e homens espalhados por ali. Mulheres entravam e saiam. Uma delas passou a mão no meu queixo, oferecida. Pedi cervejas. E aí percebi o sucesso que o padreco fazia. As mulheres sentiram o cheiro de virgindade que devia exalar do meu amigo e o cercaram. Lindo, bonitão, gostoso, tesudo, eram as coisas que diziam enquanto mexiam no seu cabelo. E pior, parece que ele estava gostando daquilo tudo, dava pra ver. Havia dito que nunca vira uma mulher nua, a não ser uma tia no banho. Do episódio gravara apenas o enorme triângulo cabeludo ensaboado da tia. É hoje, pensei.

Lá pras tantas ele emergiu daquela festa de coxas e peitos e lançou um olhar em minha direção. Fiz que sim com a cabeça. Vá em frente, por que não?, era o que eu tentava dizer. Paguei a conta, desejei no íntimo boa sorte ao meu amigo e saí dali certo que a partir daquela experiência, quem sabe, ele seria um sacerdote melhor e mais compreensivo. Não sei o que houve depois. Mas tenho impressão de ter ouvido a sua risada antes de alcançar a porta.

Foto: José Alves

- Dominus vobiscum, desejei, lembrando meus tempos de coroinha na Igreja do Bom Jesus quando a missa era em latim.  E vazei.

Uma resposta para “O seminarista e as meninas”

  1. Wendel Costa disse:

    Fiquei preso a esse texto. Ficção ou fato, foi simplesmente genial.