Ô Saudade da gota (V)
#Rosemilton Silva – Jornalista, radialista e escritor.
#Rosemilton Silva - Jornalista, radialista e escritor. Natural de Santa Cruz/RN
Dá uma saudade danada de ver Chiquita chegando naquele seu impecável vestido branco com passo curto, mas ligeiro. No outro lado da rua, Migué Doido aparecendo e trazendo a tiracolo seu eterno amigo, Pajeta. Os dois também vestidos impecavelmente como preconiza um dia de eleição em qualquer cidade pequena do interior.
De olhar Zezé Profeta acatitar os olhos e vaticinar – vaticinar é ótimo, né não!? – fazendo aquela cara de mistério, olhando pro tempo e sapecando: “Inleição é quinem festa de padroeira, o cabra tem que tê uma pareia de roupa, um sapato novo, uma zapragata ou um ´rojão` novo mode í votá” encerrando sua meditação em voz alta buscando entender os votos que terá na urna ao longo de todo dia.
De botar um olho cumprido no rumo das casas dos Ferreira de Souza, dos Fiuza, dos Bezerra, dos Balelê, dos Farias, dos Lourenço, dos Gan, dos Furtado, dos Medeiros e de outros mais, para apreciar o vai e vem mais parecendo uma lançadeira de máquina de costura de tanta entrada e saída. Homi, e vontade da gota de ver minha cumade Maria Gorda organizando suas meninas juntamente com Gonzaga, Micael e Xiu pra sufragar o voto nas urnas invioláveis até a hora após o pleito. Ah, dá saudade até das lembranças que as urnas “invioláveis” podem não ser isso após o pleito encerrado como apenas deixar conter as chapas entregues prontas para os eleitores darem “seus” votos.
Ah e a rua? E os encontros? E a cervejinha lembrando os pleitos passados? Ô saudade da bixiga da conversa animada reunindo velhos amigos que há muito não vemos. Bate no peito a lembrança amarga e triste, doída e contente juntamente com riso por dentro recordando um dia alegre, pleno de reencontros nas calçadas, nas casas, nos galpões, nas seções eleitorais, na rua... Aqui e acolá uma cachacinha, uma cerveja, um refresco, um refrigerante, um bodinho assado, um queijo de manteiga ou coalho, uma buchada, uma carne de sol, um cuscuz molhado na graxa que escorre da carne do carneiro, do bode... Todos se esmeram – eita que hoje tá cá gota, esmeram vem do fundo do baú – em oferecer o melhor para que o amigo, o cunhado, o irmão se sinta em casa.
Saudade de ver a rua com a poeira de barro batido do dia a dia ir sendo invadida pela poeira que só se levanta quando o vento é mais forte ou o tráfego de Jeep, rural, pau de arara, carro de boi com seu canto lindo anunciando a chegada, carroça, jumento, cavalo e gente, muita gente, que anunciam a intensa movimentação.
Apois num é que bate a vontade de ouvir no mercado entre um gole de café e outro de cachaça, aqueles que costumam alardear “ainda não perdi meu valor” referindo-se ao fato de que até aquela hora não foi votar. Por que tem gente que espera até a última hora para “perder o valor” depois de ter recebido dinheiro de alguns políticos e ou trocar o voto por uma garrafa de cana que nem precisa ser de primeira. Apois me dê-me licença – é pedir licença duas vezes – que eu vou ali no Quintino “perder meu valor”.
E adispois disso tudim vem a saudades de ficar na frente do clube pastorando as urnas pra ninguém boicotar uma coisa que já foi fraudada. E na segunda, Seo Almeida, nosso Saberé, auxiliado por Celuta, Neta de Dula e João Vital, começa a cantar e contar os votos, um a um, numa longa e demorada espera até Zé Pedro, nosso oficial de justiça, pregar o boletim oficial com todos os votos na parede do sodalício. Diga se num dá uma saudade da gota?