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novembro 15, 2020

O RN e seu Pastoril Político dos anos 60/70

Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Educação Ambiental, Escritor e Folclorista.

Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Educação Ambiental, Escritor e Folclorista.

Todo mundo já sabe que o nosso antiguíssimo grupo folclórico, conhecido como ‘Pastoril’, com inspiração religiosa/profana, é dividido em dois cordões com duas cores. Azul e Encarnado. Só a sua Diana pode ficar em cima do muro, pois se veste com as duas cores. Eu, desde criança, sempre torci pelo cordão azul.

E essa introdução é apenas uma simbólica justificativa, para lembrar-lhes que nasci sob o domínio acirrado de duas cores políticas. O verde de Aluízio Alves e o encarnado de Dinarte Mariz. Quando abri os olhinhos, vi que cada casa em Natal e Pendências tinha uma bandeira dependurada balançando com o vento. E essa era, ou verde ou encarnada. Quanto maior e mais alta, mais identificava o fanatismo político do dono da casa.

Só quem conseguiu mesmo, ficar neutra, como a Diana do Pastoril do RN, foi a Embaixatriz Severina, pois adentrava dando ordens nos gabinetes do Palácio de Dinarte Mariz, Aluízio Alves e o Monsenhor Walfredo Gurgel. Severina, prima da Rainha Elizabeth, foi quem botou medo nos políticos do RN de seu tempo…

A Embaixatriz Severina, "prima da Rainha Elizabeth"

Em Pendências, o casarão de meus avós maternos tinha bandeira verde. Diziam até que meu avô, Francisco Hermógenes de Medeiros, teria ajudado financeiramente a famosa 'Cruzada da Esperança', de Aluízio Alves. Toda vez que eu ia para a casinha humilde de minha avó paterna, dona Maria Costa, que ficava na divisa entre os bairros do Alecrim e Quintas, observava duas coisas. Na salinha, em uma pequena mesa, uma foto emoldurada de Aluízio Alves e uma enorme e bem alta bandeira verde. Diziam que a velha não dormia direito para pastorar algum adversário político que tentasse retirá-la as madrugadas.

Já em nossa casa da rua da feira do Alecrim, papai, Geraldo Costa, não admitia nenhuma bandeira ou fotografias coladas em suas paredes: “Aqui é uma morada de respeito, não é um cabaré político não!”. Mas nossa vizinha, parede colada, era uma ferrenha dinartista e colocava sua bandeira encarnada, bem alta e bem amarrada para ficar o ano todo se destacando. O meu padrinho de batismo, que depois tomei conhecimento já adolescente, era o deputado aluizista Olavo Montenegro.

Esse me conheceu só aos 15 anos. Abençoou-me e tornou-se meu amigo até a sua morte, inclusive chegou a ir a um lançamento de um livro meu em cadeiras de rodas. Em 1974, saía, orgulhosamente, distribuindo santinhos do meu padrinho nas casas do bairro do Alecrim. Fui muitas vezes vê-lo discursando na tribuna da velha Assembleia Legislativa da Rua Jundiaí.
Era bem recebido, bebendo até a Coca-Cola dos deputados. Gostava dos embates travados. Theodorico Bezerra, ora cochilando, ora tomando cafezinhos. Roberto Furtado, quase solitariamente, lutando contra a então ditadura. Magnus Kelly, com seu vozeirão, agitava o ambiente contra o doutor Dari Dantas. Meu padrinho sempre discursando defendendo o Vale do Assu e recomendando ao garçom para não faltar assistência a mim…

E fui crescendo e vendo que todo vivente no RN se resumia a colocar nos seus currículos: você é apadrinhado por Dinarte Mariz ou Aluízio Alves? Tivemos memoráveis adversários que foram exemplos de perseguições. Em Nova Cruz, dizem que o ‘seu’ Zé Negócio teria inventado uma mala com rodas, de tanto carregá-la em suas mudanças durante o domínio aluizista. Eu vi o Zé de Balelê de Santa Cruz andando agitado agarrado pelo braço por sua esposa, teria perdido o juízo, como diziam, com tantas transferências, também na era aluizista. Todos dois eram ferrenhos dinartistas e funcionários públicos estaduais.


Até os mendigos e doidos se dividiam nas cores. Corisco passava nas ruas do Alecrim todo de verde despejando homéricos palavrões direcionados às pobres mães dos dinartistas. A Maria Mula manca, toda encarnada, eu só vim conhecer depois da derrota dos Alves, nos anos 70. Essa jurara publicamente não morar no RN se Aluízio Alves ganhasse a campanha contra o dinartista Djalma Marinho. Inclusive já fiz minhas juras alimentares a la Maria Mula Manca: não como batata doce, carne de porco e salpicão...


Adolescente, corria de minha casa para assistir os grandes comícios na parte de cima do bar/café Quitandinha, no centro do Alecrim. Vibrava com a eloquência cultural de Odilon Ribeiro Coutinho, citando grandes poetas e filósofos. Os corajosos palavreados populares de Carvalho Neto e Eugênio Neto.

Em 1974, torci muito pelo candidato a senador Agenor Maria, que fizera um comício em plena feira do Alecrim, com um chapéu de palha na cabeça dado por um feirante. O político ficara em cima de uma banca da feira. Muito aplaudido e abraçado por todos e toda Natal e eu cantávamos a música: “...lá vem, lá vem, marinheiro só...”. E o marinheiro matuto ganhou e ficou na história, como um pobre ganha de um dito por rico.

Depois, Agenor criou algumas máximas inesquecíveis, como a de classificar o senado como um "Paraíso" e quando, em 1978, Aluízio Alves o teria chamado para apoiar o candidato da ditadura Jessé Freire, respondeu ao seu antigo líder: “Diga ao doutor Aluízio Alves que eu não sou preá para cair em seu quixó!”

Na Natal do meu tempo se conheciam até os que andavam vestidos de verde, pintavam suas casas e seus automóveis também esverdeados: Antônio Cortez, Barbosinha e Ferreirinha da bicicleta verde. Os encarnados: Eugênio Neto e Severino Galvão, entre outros. Em 1978, eu, como jovem eleitor, perdi três votos de uma tacada só com meus candidatos: o protético Washington Luiz, o padre Zé Luiz e o empresário Radir Pereira. Diz o povo que já vive sofrendo que “desgraça pouca é besteira!”

E o Padre Zé Luiz, enfrentou sua campanha, liso e dando risadas, mesmo com o apoio de Frei Damião, não conseguiu sua eleição. Washington Luiz, afobado, feito siri dentro de lata, tanto arrancara dentes, como fazia ‘chapas’ de Deus e o mundo, também perdeu. O velho majó Theodorico Bezerra, realisticamente já dizia que quando falta dinheiro, falta votos! Já o meu senador, a ditadura lhe mostrara que não é fácil lutar contra correnteza de rio e governo no poder…

Certo dia, estando bem acompanhado do amigo François Silvestre, em Macau, esse fora parado por um antigo eleitor que muito lamentara sua derrota eleitoral: “Você não perdeu seu voto e eu até agradeço muito não ter sido eleito”. Só da campanha de 1978, seguindo os passos do saudoso padre Zé Luiz, com o motorista Berguinho de Pendências, tenho na cachola tantas histórias engraçadas, as quais dariam um volumoso livro.

François Silvestre


Milagrosamente, mesmo sem dinheiro, o referido padre sempre encontrava um amigo, um afilhado ou um compadre, os quais faziam questão de pagarem as despesas nos bares e restaurantes: Foi o senhor que me casou. Foi o senhor que me batizou... A última acirrada campanha que eu vi de perto em Natal foi a de 1982. A bandeira encarnada já dera lugar a branca. A música era aquela antiga que a Dalva de Oliveira cantava divinamente tempos atrás, pedindo ‘paz’. Eleitores brigavam na porrada, na fava e até bala, pela bandeira branca de Zé Agripino ou a verde de Aluízio Alves.

Eu, nesse tempo, escapei apadrinhado pelo maior historiador das campanhas políticas do RN, jornalista João Batista Machado, autor do importante e histórico livro, ‘1960 – Explosão de Paixão e Ódio’ (1998). Já diz o sábio povo que, no nosso Estado, quem tem padrinho forte não morre desabrigado, pode até se acabar, mas de bucho cheio e queda de rede boa. E graças ao amigo Machadinho, não precisei de mala com rodinhas… Taí, gente, um pouco de minhas lembranças…
Vou terminar dizendo e confirmando que, aos sessenta e um anos, continuo fielmente torcendo pelo Alecrim Futebol Clube e pelo Cordão Azul do Pastoril do nosso saudoso mestre Faísca. O resto é viver em paz e sempre com boas lembranças!

Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós Graduado em
15/11/2020 - Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.
                                

Uma resposta para “O RN e seu Pastoril Político dos anos 60/70”

  1. Antonio Navarro disse:

    O único ‘defeito’ do texto, não é do texto propriamente foto. Mas do autor. Neste caso um defeito irretocável. Uma pena não ter mas cores preto e branco do time da frasqueira sua paixão futebolística. No cordão azul do pastoril, temos mutua admiração!
    Tirando a ironia de minha fala: memórias muito bem escritas. Muito bom ler seu texto! Parabéns!!!