O RN e seu Pastoril Político dos anos 60/70
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Educação Ambiental, Escritor e Folclorista.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/rn-politicos-decada-de-1960.jpg)
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Educação Ambiental, Escritor e Folclorista.
Todo mundo já sabe que o nosso antiguíssimo grupo folclórico, conhecido como ‘Pastoril’, com inspiração religiosa/profana, é dividido em dois cordões com duas cores. Azul e Encarnado. Só a sua Diana pode ficar em cima do muro, pois se veste com as duas cores. Eu, desde criança, sempre torci pelo cordão azul.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g2.jpg)
E essa introdução é apenas uma simbólica justificativa, para lembrar-lhes que nasci sob o domínio acirrado de duas cores políticas. O verde de Aluízio Alves e o encarnado de Dinarte Mariz. Quando abri os olhinhos, vi que cada casa em Natal e Pendências tinha uma bandeira dependurada balançando com o vento. E essa era, ou verde ou encarnada. Quanto maior e mais alta, mais identificava o fanatismo político do dono da casa.
Só quem conseguiu mesmo, ficar neutra, como a Diana do Pastoril do RN, foi a Embaixatriz Severina, pois adentrava dando ordens nos gabinetes do Palácio de Dinarte Mariz, Aluízio Alves e o Monsenhor Walfredo Gurgel. Severina, prima da Rainha Elizabeth, foi quem botou medo nos políticos do RN de seu tempo…
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g3.jpg)
Em Pendências, o casarão de meus avós maternos tinha bandeira verde. Diziam até que meu avô, Francisco Hermógenes de Medeiros, teria ajudado financeiramente a famosa 'Cruzada da Esperança', de Aluízio Alves. Toda vez que eu ia para a casinha humilde de minha avó paterna, dona Maria Costa, que ficava na divisa entre os bairros do Alecrim e Quintas, observava duas coisas. Na salinha, em uma pequena mesa, uma foto emoldurada de Aluízio Alves e uma enorme e bem alta bandeira verde. Diziam que a velha não dormia direito para pastorar algum adversário político que tentasse retirá-la as madrugadas.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g9.jpg)
Já em nossa casa da rua da feira do Alecrim, papai, Geraldo Costa, não admitia nenhuma bandeira ou fotografias coladas em suas paredes: “Aqui é uma morada de respeito, não é um cabaré político não!”. Mas nossa vizinha, parede colada, era uma ferrenha dinartista e colocava sua bandeira encarnada, bem alta e bem amarrada para ficar o ano todo se destacando. O meu padrinho de batismo, que depois tomei conhecimento já adolescente, era o deputado aluizista Olavo Montenegro.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g8.jpg)
Esse me conheceu só aos 15 anos. Abençoou-me e tornou-se meu amigo até a sua morte, inclusive chegou a ir a um lançamento de um livro meu em cadeiras de rodas. Em 1974, saía, orgulhosamente, distribuindo santinhos do meu padrinho nas casas do bairro do Alecrim. Fui muitas vezes vê-lo discursando na tribuna da velha Assembleia Legislativa da Rua Jundiaí.
Era bem recebido, bebendo até a Coca-Cola dos deputados. Gostava dos embates travados. Theodorico Bezerra, ora cochilando, ora tomando cafezinhos. Roberto Furtado, quase solitariamente, lutando contra a então ditadura. Magnus Kelly, com seu vozeirão, agitava o ambiente contra o doutor Dari Dantas. Meu padrinho sempre discursando defendendo o Vale do Assu e recomendando ao garçom para não faltar assistência a mim…
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g16.jpg)
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g11.jpg)
E fui crescendo e vendo que todo vivente no RN se resumia a colocar nos seus currículos: você é apadrinhado por Dinarte Mariz ou Aluízio Alves? Tivemos memoráveis adversários que foram exemplos de perseguições. Em Nova Cruz, dizem que o ‘seu’ Zé Negócio teria inventado uma mala com rodas, de tanto carregá-la em suas mudanças durante o domínio aluizista. Eu vi o Zé de Balelê de Santa Cruz andando agitado agarrado pelo braço por sua esposa, teria perdido o juízo, como diziam, com tantas transferências, também na era aluizista. Todos dois eram ferrenhos dinartistas e funcionários públicos estaduais.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g12-697x1024.jpg)
Até os mendigos e doidos se dividiam nas cores. Corisco passava nas ruas do Alecrim todo de verde despejando homéricos palavrões direcionados às pobres mães dos dinartistas. A Maria Mula manca, toda encarnada, eu só vim conhecer depois da derrota dos Alves, nos anos 70. Essa jurara publicamente não morar no RN se Aluízio Alves ganhasse a campanha contra o dinartista Djalma Marinho. Inclusive já fiz minhas juras alimentares a la Maria Mula Manca: não como batata doce, carne de porco e salpicão...
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g4-920x1024.jpg)
Adolescente, corria de minha casa para assistir os grandes comícios na parte de cima do bar/café Quitandinha, no centro do Alecrim. Vibrava com a eloquência cultural de Odilon Ribeiro Coutinho, citando grandes poetas e filósofos. Os corajosos palavreados populares de Carvalho Neto e Eugênio Neto.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/agenor.jpg)
Em 1974, torci muito pelo candidato a senador Agenor Maria, que fizera um comício em plena feira do Alecrim, com um chapéu de palha na cabeça dado por um feirante. O político ficara em cima de uma banca da feira. Muito aplaudido e abraçado por todos e toda Natal e eu cantávamos a música: “...lá vem, lá vem, marinheiro só...”. E o marinheiro matuto ganhou e ficou na história, como um pobre ganha de um dito por rico.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/índice.jpg)
Depois, Agenor criou algumas máximas inesquecíveis, como a de classificar o senado como um "Paraíso" e quando, em 1978, Aluízio Alves o teria chamado para apoiar o candidato da ditadura Jessé Freire, respondeu ao seu antigo líder: “Diga ao doutor Aluízio Alves que eu não sou preá para cair em seu quixó!”
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g14.jpg)
Na Natal do meu tempo se conheciam até os que andavam vestidos de verde, pintavam suas casas e seus automóveis também esverdeados: Antônio Cortez, Barbosinha e Ferreirinha da bicicleta verde. Os encarnados: Eugênio Neto e Severino Galvão, entre outros. Em 1978, eu, como jovem eleitor, perdi três votos de uma tacada só com meus candidatos: o protético Washington Luiz, o padre Zé Luiz e o empresário Radir Pereira. Diz o povo que já vive sofrendo que “desgraça pouca é besteira!”
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g10-712x1024.jpg)
E o Padre Zé Luiz, enfrentou sua campanha, liso e dando risadas, mesmo com o apoio de Frei Damião, não conseguiu sua eleição. Washington Luiz, afobado, feito siri dentro de lata, tanto arrancara dentes, como fazia ‘chapas’ de Deus e o mundo, também perdeu. O velho majó Theodorico Bezerra, realisticamente já dizia que quando falta dinheiro, falta votos! Já o meu senador, a ditadura lhe mostrara que não é fácil lutar contra correnteza de rio e governo no poder…
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/g5-1024x711.jpg)
Certo dia, estando bem acompanhado do amigo François Silvestre, em Macau, esse fora parado por um antigo eleitor que muito lamentara sua derrota eleitoral: “Você não perdeu seu voto e eu até agradeço muito não ter sido eleito”. Só da campanha de 1978, seguindo os passos do saudoso padre Zé Luiz, com o motorista Berguinho de Pendências, tenho na cachola tantas histórias engraçadas, as quais dariam um volumoso livro.
![](http://blogoalerta.com.br/wp-content/uploads/2020/11/françois-silvestre-2.jpg)
Milagrosamente, mesmo sem dinheiro, o referido padre sempre encontrava um amigo, um afilhado ou um compadre, os quais faziam questão de pagarem as despesas nos bares e restaurantes: Foi o senhor que me casou. Foi o senhor que me batizou... A última acirrada campanha que eu vi de perto em Natal foi a de 1982. A bandeira encarnada já dera lugar a branca. A música era aquela antiga que a Dalva de Oliveira cantava divinamente tempos atrás, pedindo ‘paz’. Eleitores brigavam na porrada, na fava e até bala, pela bandeira branca de Zé Agripino ou a verde de Aluízio Alves.
Eu, nesse tempo, escapei apadrinhado pelo maior historiador das campanhas políticas do RN, jornalista João Batista Machado, autor do importante e histórico livro, ‘1960 – Explosão de Paixão e Ódio’ (1998). Já diz o sábio povo que, no nosso Estado, quem tem padrinho forte não morre desabrigado, pode até se acabar, mas de bucho cheio e queda de rede boa. E graças ao amigo Machadinho, não precisei de mala com rodinhas… Taí, gente, um pouco de minhas lembranças…
Vou terminar dizendo e confirmando que, aos sessenta e um anos, continuo fielmente torcendo pelo Alecrim Futebol Clube e pelo Cordão Azul do Pastoril do nosso saudoso mestre Faísca. O resto é viver em paz e sempre com boas lembranças!
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós Graduado em
15/11/2020 - Morada São Saruê, Nísia Floresta/RN.
O único ‘defeito’ do texto, não é do texto propriamente foto. Mas do autor. Neste caso um defeito irretocável. Uma pena não ter mas cores preto e branco do time da frasqueira sua paixão futebolística. No cordão azul do pastoril, temos mutua admiração!
Tirando a ironia de minha fala: memórias muito bem escritas. Muito bom ler seu texto! Parabéns!!!