O Palácio das Saudades*
Alex Medeiros (instragram @alexmedeiros1959) – Texto publicado na Tribuna do Norte Eu acabara de fazer quatro anos, morava na Travessa Padre Calazans, a ruazinha estreita que se estendia por poucos metros na paralela acima da Rua Padre Pinto, que a pequena Natal de 1963 tinha como grande artéria por onde desciam no rumo dos bairros […].
Alex Medeiros (instragram @alexmedeiros1959) - Texto publicado na Tribuna do Norte
Eu acabara de fazer quatro anos, morava na Travessa Padre Calazans, a ruazinha estreita que se estendia por poucos metros na paralela acima da Rua Padre Pinto, que a pequena Natal de 1963 tinha como grande artéria por onde desciam no rumo dos bairros do povo as passeatas de Aluízio Alves e Dinarte Mariz, respectivamente coberta de panos verdes e vermelhos. Estou sozinho na foto, mãos no bolso da calça jeans, no gramado da Praça Pedro Velho.
Era um passeio no local em que praticamente toda a cidade se deslocou para visitar e contemplar a nova obra inaugurada pelo prefeito Djalma Maranhão, cujo visionarismo o fazia vislumbrar como progresso social os investimentos em educação, cultura, esportes, entretenimento, turismo. Naquele novembro há 60 anos, ele entregou aos natalenses o Palácio dos Esportes, a Concha Acústica, a Estação Rodoviária, o Centro Comercial das Rocas e botou calçamento em várias ruas.
Na verdade, não estou sozinho na foto; estou apenas isolado na imagem do clic e do corte da máquina e do estúdio do saudoso fotógrafo Jorge Mário. Em torno do papel, invisível, está a saudade de tempos felizes daquela infância.
Depois daquela inauguração, por décadas, Natal viveu dentro e em torno do Palácio dos Esportes. Vivi seus momentos históricos, desde o sorvete Kixou dos primeiros anos, aos jogos estudantis e shows musicais da adolescência.
Meu debute em suas instalações foi com 7 ou 8 anos, quando já morava em Santos Reis. Meu pai me levou para um bingo da Associação Comercial, no período natalino, e fez cópia da cartela para que eu participasse da marcação.
Ainda me vejo explorando o local que encantava a cidade, movendo-me entre adultos na quadra, saracoteando pelas arquibancadas, paralisado contemplando a figura de Papai Noel chegando com o saco de presentes.
Tudo cabia na nova obra do Doutor Djalma, principalmente todas as modalidades esportivas praticadas na cidade. Aliás, antes o termo “palácio dos esportes” era dado pela imprensa ao Ginásio Sílvio Pedrosa, no Atheneu.
A partir do primeiro ano de funcionamento, 1964, o superintendente José Reis foi orientado pelo alcaide a dar guarida às carências locais. E já em 31 de janeiro, antecipou o grito de carnaval com o Primeiro Baile Municipal de Natal.
Em destaque na festa que arrastou multidões para dentro e fora do ginásio, uma batalha de confete e serpentina, desfile de fantasia, prêmios aos adereços mais ricos e criativos, tudo embalado pelo frevo famoso de Nelson Ferreira.
Quando as cinzas do carnaval ainda bailavam ao vento, em 1 de março, o Palácio foi ponto de partida e chegada de uma prova ciclística de 25km com as bicicletas circulando pelas ruas Assu, Floriano Peixoto e Prudente de Morais.
Houve até o rei Roberto Carlos cantando como atração principal da Semana da Asa, sem falar dos áureos anos em que o Palácio era o epicentro dos festejos da Pátria, em 7 de setembro, nas paradas de gala com militares e estudantes.
De desfile de miss à convenção lojista, de lutas livres a futebol de salão feminino, de sagração de bispos a cultos evangélicos, de festival de música a apuração eleitoral, teve tudo ali, como as posses de reis e rainhas do carnaval.
Multidões se aglomeravam para torcer por candidatas a miss, por lutadores como Bernardão, Diabo Louro, Fidelão, pelos colégios nos jogos estudantis. Surgiram ali, tal qual gírias da época, as siglas ED, CIC, CPU, WC, MA, SALÉ.
Foi lá que o médico e poeta Napoleão Veras, ainda aos 20 anos, na companhia do colega de curso, Ivanildo Cortez, papou o I Encontro Universitário de Música, em 1971, com a música Mística, uma melodia num ponto de umbanda.
Entre 1972 e 1974, vivi as emoções dos jogos estudantis, mas a partir de 1975 comecei incursões constantes, período de rebeldia e liberdade à flor da pele, cabelo ao vento e gente jovem reunida. Era a temporada dos grandes shows.
Estava lá aos 16 anos para ver o evento Nordeste Reunido Canta, que trouxe astros regionais como Alceu Valença, Moraes Moreira e Fagner, este último que eu já tinha visto dois ou três anos antes, no Circo da Cultura, na Deodoro.
No ano seguinte – já escrevi sobre isso na Tribuna do Norte – fiz o périplo desde o “cu de burro” no beco da Rádio Nordeste, programa de Big Terto, até se plantar nas grades do Palácio, numa legião de fãs para cultuar Rita Lee.
Aquele 1976 também me levou até lá, convencido por dois colegas do movimento estudantil, para acompanhar a apuração das eleições. Nem imaginava que voltaria nos anos 1980, envolvido até os pentes em política.
Na condição de militante e candidato a vereador, em 1982, experimentei o sabor da carteirada que tanto agrada vestais e incelenças. Entrei para ver a apuração do pleito em que o jovem José Agripino venceu o mito Aluízio Alves.
Foi também em 1982 que me plantei na frente do Palácio com um carro de som (uma Kombi) e de lá circulei por Petrópolis e Cidade Alta, microfone em punho, chamando os passantes para um show do grupo Boca Livre, que ajudava o PT.
Na onda da redemocratização, que atraía alunos, professores, sindicalistas e feministas, lá estava o Palácio dos Esportes feito sede de um encontro de violeiros chamado “O Brasil Está Sendo Violado”, com apoio de vários partidos.
Na condição de organizador, o intrépido Padre Zé Luiz era no palco o porta-voz não apenas de Deus, mas também do PDT (sua legenda), PT, PCB, PCdoB e demais siglas e tendências da esquerda, já dividida entre Leonel Brizola e Lula.
Como já disse e repito, cabia de tudo e ainda cabe no Palácio dos Esportes, uma obra de 60 anos que carrega em si a história e os sentimentos de Natal. Palácio da música, palácio das belas mulheres, palácio da política, palácio das gincanas, palácio da cultura, palácio das lutas – reais e lúdicas – palácio da liberdade, palácio da pátria, palácio das crianças, palácio da folia, palácio da fé.
Vale lembrar as palavras de Djalma Maranhão na inauguração: “Há que não faltar aos anseios do seu povo. Há que não fugir ao espírito que vela a hora indormida dessa vigília histórica”. Viva o Palácio do Povo, o velho e querido palácio das saudades.
*Texto publicado no livro “Memórias do Palácio dos Esportes Djalma Maranhão”(Dezembro/2023)