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outubro 25, 2020

O menino que a fazenda rejeitava

Por Júnior Rebouças No início da década de 60, haviam grandes e pequenas fazendas, ao lado de sítios que circundavam a cidade, tinha na base de sua economia o plantio de cana de açúcar, pequenos hortifrutigranjeiros e criadores de animais leiteiros para sustento de suas famílias.

Foto Ilustrativa

Por Júnior Rebouças

No início da década de 60, haviam grandes e pequenas fazendas, ao lado de sítios que circundavam a cidade, tinha na base de sua economia o plantio de cana de açúcar, pequenos hortifrutigranjeiros e criadores de animais leiteiros para sustento de suas famílias.

O comércio era outro grande impulsionador, não esquecendo da feira do sábado que movimentava toda região, inclusive cidades vizinhas.

Na pequena fazenda de Seu Tomé, homem sisudo, trabalhador, rude, honesto, sempre votava com o governo, se dizia católico, mas não gostava de padres, não ajudava e nem frequentava a igreja, usava bigode e costeletas enormes que, aparentemente, o deixavam bem mais velho que os seus 45 anos da época. Ficou viúvo aos 32, após sua esposa, ter sua segunda gestação, muito problemática, difícil e falecer durante o parto, em casa. Após algumas semanas enfrentando dificuldades na criação dos dois filhos, principalmente com o mais novo, Quinzinho, que nasceu pequeno e frágil. A família, por parte do seu sogro, Coroné Manezin, muito preocupada com a situação, mandou a filha mais velha, no auge dos 30 anos e ainda bem bonita, que havia ficado no caritó, ir, temporariamente, para fazenda cuidar dos sobrinhos. Tomé não gostou muito, naquele momento, mas aceitou.

O ajudavam na lida com a cana e a criação, duas famílias que viviam em casas bem próximas da casa sede. Chicó, Neco e Francisca, irmãos que nunca haviam casado e moravam juntos trabalhando na fazenda. Francisca ajudava nos afazeres domésticos da casa sede, tinha uma filha chamada Nininha, mas ninguém nunca soube quem era o pai da criança, e os irmãos cuidavam do plantio de cana.

Manelão e Terezinha eram casados e tinham dois filhos, Janjão e Tigo, era a família que cuidava da criação do gado, haviam também porcos e um galinheiro enorme.

Com a chegada da cunhada Bibiana, lenta e pausadamente, a fazenda foi tomando seu ritmo quase normal. O café muito cedo era servido e não rara as vezes, os empregados comiam na mesa juntamente com o patrão.

Ele que era uma pessoa, as vezes, alegre e simpático, após a morte de Maria Luíza, ficara muito calado e fechado. O tempo foi passando e também foi retomando suas coisas. Num dia qualquer, após o jantar, sentado em sua cadeira de balanço, no alpendre, fumando seu charuto, pela janela, viu Bibiana passando com Quinzinho nos braços, levando-o para dormir. Admirou de forma estranha aquela cena que tinha presenciado já inúmeras vezes ali em sua casa. Nunca tinha prestado atenção, ainda, na cintura, na bunda, nos seios pequenos arredondados, pele morena limpíssima, rosto bonito e começou a lembrar de alguns olhares que de vez em quando Bibiana lhe direcionava.

Naquela noite, não conseguiu tirar o pensamento do que esteve a ver. Ficou se sentindo um verdadeiro canalha. Isso se repetiu por várias noites… mas alguns dias depois, após colocar Quinzinho pra dormir, ela não foi para seu quarto e sim retornou para cozinha onde Tomé se encontrava. Sem pronunciar uma palavra, ele gentilmente soltou seu cabelo e com rompante truculência, a puxou para seu peito, quase que sufocando-a com um longo, apaixonado e alucinado beijo. Ela sentiu aquele cheiro de macho e se entregou completamente. Envolta em seu pescoço e segurada por braços fortes que literalmente rasgaram o vestido pelas costa. E em cima da mesa rústica de madeira de lei e de forma esplendorosa e condescendente, foi ali deflorada e possuída exatamente como sempre sonhou. Após algumas carícias e poucas palavras, cada um foi pro seu quarto. Não demorou nada, procurando, Tomé foi até o quarto dela, que já estava com a porta entreaberta, entrou, tomou-a de posse e se amaram, de novo, e de novo… até a madrugada. Acordaram já sol alto com Francisca finalizando os preparativos do café.

Quando pariu sua primeira cria, Bibiana deu o nome de Luíza em homenagem a sua irmã, na época Quinzinho acabara de completar dois anos e seu irmão Jacob estava com cinco. Passado um ano e meio e tem sua segunda filha, Maria de Fátima.

Já há algum tempo Jacob e Quinzinho quase que eram cuidados unicamente por Francisca, com Bibiana dedicando-lhes pouquíssima atenção. Fato este corroborado pelo pai, que entendia em função das duas filhas pequenas. Os meninos também passavam bom tempo na casa de Terezinha, mesmo seus filhos sendo mais velhos do que os de Seu Tomé. Os anos foram se passando e Jacob e Quinzinho só iam pra casa na hora de dormir e as vezes nem iam. Viviam sem nenhum acompanhamento paterno ou de Bibiana. Jacob, desde cedo criou gosto pelos cavalos, quase não indo às aulas que Terezinha dava para meninada da fazenda. Quinzinho, era arredio e não gostava das atividades de campo, preferindo passar o tempo acompanhando Nininha, apesar da diferença de idade, motivo pelo qual, os outros garotos, algumas vezes faziam chacota com ele, tratando-o de mulherzinha.

Aos sábados, ainda escuro, como era de costume, Janjão atrelava o carroção no trator, olhava a água e o óleo, os pneus se estavam duros e cheios, colocava os três bancos compridos de madeira, sua mãe preparava uma quartinha com água e uma moringa de ponche e às 5 da manhã, sob o comando de Seu Tomé, dirigindo o trator, levava seu povo pra fazer compras, permaneciam na fazenda duas ou três pessoas para os afazeres do dia. Chegavam na cidade bem próximo às 6 horas. As famílias compravam, vendiam, trocavam e traziam de tudo, facão, enxada, querosene, calças, vestidos, feijão branco, fava amarguenta, cela, garrafada de raiz, rádio ABC, arreio, avoador, pente fino, toalha de saco de açúcar, bola de couro, brilhantina Zezé, xarope bromil… tudo que era necessário pra quela gente, tinha naquela grande feira, que toda semana renovavam a sua fonte de manutenção e alegria. No pingo da mei dia, Seu Tomé, arribava de volta pra fazenda, trazendo aquelas pessoas cansadas, felizes, misturando comentários sobre quem encontraram e conversaram, pacotes, sacos de papel, compras, o que esqueceram, se tinha muita coisa cara, que Ritinha de Dona Maria Benzedeira tinha fugido com um cortador de cana, Zefa Paula dona do cabaré havia morrido e no enterro só tinha homem, até o prefeito foi… mas naquele sábado… Seu Tomé, tava mais falante que o de costume, na estrada de barro, com destino à fazenda, comeu mato duas vezes, pois, na feira, havia encontrado um parente muito querido e juntos com outros, empurraram o pé na jaca, bebendo cachaça, acompanhado de carne de porco torrada e farofa de graxa, bode de braseiro, tudo isso na bodega de Quaxá, que também era da família e ainda teve a lavagem com cerveja na barraca de Dona Tiquinha do picado.

Ao chegarem na fazenda todos cuidavam de tirar suas coisas, em meio a uma algazarra só. Seu Tomé foi direto para o estábulo, pois estava quase morrendo com vontade de mijar e também queria dar olhada na sua égua preferida, chamada Madrugada, devido a pelagem cinzenta, que estava prenha e prestes a parir. Deu uma senhora mijada, se recompôs e já se dirigindo à baia de Madrugada, viu uma cena chocante: em cima de alguns fardos de feno prensado, estavam Quinzinho e Tigo, totalmente nus, as roupas jogadas ao lado, dormindo, Quinzinho, um tanto franzino para os seus 13 anos, de costas, envolto pelos braços fortes de Tigo, que aparentavam carinho e proteção. Espumando de raiva e ódio, Seu Tomé desafivelou seu cinturão, puxou da calça, bradando aos berros: SEUS FII DA PUTA, DOIS PEDERASTA, ISSO É SAFADEZA… começando a bater nos dois com força brutal, usando o cinto dobrado, as duas pontas fixas em sua mão, como açoite, Tigo ficou com as costas e nádegas com razoáveis ferimentos e até sangrando, pois a cada lapada forte do cinturão, mais ele tentava proteger Quinzinho, que aos prantos e urrando, não conseguia sair dali e nem se mexer. Quinzinho foi levado pra casa puxado e arrastado pelos cabelos, continuava nu, também apanhando cinturãozadas e trancos ao longo do percurso. O restante da tarde, foi só tristeza e confusão, havia acabado a alegria da feira, com Seu Tomé decretando para Tigo, que ao amanhecer ele iria embora da fazenda. Boa parte dos moradores só conseguiram dormir, já tarde e outros só cochilaram.

Francisca, bem cedinho, quando se aproximava da casa grande para preparar o café, se depara com um quadro horripilante, sinistro e macabro… Quinzinho e Tigo estavam se enforcando, novamente nus, ainda se debatiam debilmente antes da asfixia total, no mesmo galho da goiabeira, que entortou mas não quebrou, o qual tanto brincaram de balanço quando crianças e que continuava de pé, em frente a casa de Tomé.

PELAMOR DE DEUS, ACUDA AQUI, ACUDA, ACUDA! Saiu gritando Francisca, casa a dentro!

Foto Ilustrativa

Uma resposta para “O menino que a fazenda rejeitava”

  1. Crisolita THE Bonifacio disse:

    Na Missa de hoje o Arcepispo Don Orlando tratou exatamente da rejeiçao de algumas famílias que têm para com os filhos homossexuais. Esse texto relata essa prática, a rejeição. Don Orlando alerta para o exemplo que Jesus nos deu quando acolheu a todos. “A Igreja não aceita o pecado, mas respeita o pecador.”