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abril 21, 2024

O HOMEM MANSO

Por Ricardo Sobral, advogado, membro do IHGRN e da Academia Ceará-mirinense de Letras e Artes.

Por Ricardo Sobral, advogado, membro do IHGRN e da Academia Ceará-mirinense de Letras e Artes.

Éramos três naquela viagem.

Não era propriamente uma viagem de trabalho, nem poderia ser classificada de lazer. Como não tiro férias há mais de 30 anos, em contrapartida, vez por outra me dou alguns dias de folga para recarregar as baterias.

Algumas vezes saio de carro sem destino previamente estabelecido, deixando as coisas acontecerem. Noutras, simplesmente estaciono no aeroporto e tomo o primeiro avião. São as melhores viagens que faço. Se planejar com antecedência,  termina não sendo lá compensatória. No máximo, no máximo mesmo, faço um roteiro e viajo no dia seguinte, isso quando vou com a família.

Roupas? Nunca as levo: compro sem pressa somente as necessárias quando vou chegando aos destinos, considerados o clima e os costumes locais.  

Já passava das vinte e três horas quando paramos numa cidade de médio porte para pernoitar. Hotéis lotados, não havia um só leito disponível. Dois eventos estavam ali sendo realizados. O Brasil inteiro se fazia presente. Com certa peleja conseguimos vagas numa pousada. Estrelas? Só as do firmamento.

Por volta das dez horas, conforme combinado, encontro os companheiros de viagem na portaria. Um deles, visivelmente contrariado, foi logo dizendo:

- Isso é uma espelunca. Imagine você que nos melhores hotéis do mundo o café da manha é servido até às dez horas. Aqui, encerrou as nove. Tive que tomar refrigerante com coxinha no barraco da esquina. Logo eu que tenho um estômago sensível.

Fui em direção ao refeitório, onde me deparei com duas  senhoras preparando para servir o almoço, das quais me aproximei ainda a tempo de ouvir uma delas dizer para a outra:

- Ainda acabo com esse café da manhã e fecho o restaurante. Vai ficar só a dormida. Não viu comadre agorinha aquele hospede?

Dei-lhes um bom dia bem sonoro e disse para a que aparentava ser a proprietária:

- Toda mulher é mãe por natureza. E uma mãe não deixa um filho com fome.

A senhora abraçou-me no meio do salão com tanta força que no primeiro instante tive a sensação de que pretendia me estrangular, posto que de lá já havia expulsado um dos companheiros de viagem.  Contudo, logo mudei de ideia ao vê-la chorar copiosamente e em meio a soluços confessar que havia perdido um filho em acidente de carro e que eu a havia feito sentir a presença dele naquele momento.

Os circunstantes ficaram com os olhos esbugalhados vendo àquela cena patética, sem nada entender, pois a dona da pousada apenas balbuciava as palavras, quase inaudíveis.

Tão logo se recompôs, a estalajadeira chamou o marido e a filha, que também se tornaram nossos amigos.

Tomamos, eu e o outro companheiro que também não havia reclamado e que se limitava a sorrir, o melhor café da manha já servido naquela pousada. Quando terminamos, o ambiente já estava pronto para servir o almoço. Eram onze horas.

Lembrei-me da frase de uma figura impoluta e inoxidável:

- o homem manso vive melhor sobre a terra.

Uma resposta para “O HOMEM MANSO”

  1. Roberto Lucena disse:

    Bom, excelente parabéns