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novembro 12, 2023

O deus de Zidane

Alex Medeiros – Jornalista e escritor ( Texto publicado na Tribuna do Norte) O menino magro, de olhar espantado e largo, era o fiel perfil da infância pobre daquele bairro proletário de Montevidéu.

Alex Medeiros - Jornalista e escritor ( Texto publicado na Tribuna do Norte)

O menino magro, de olhar espantado e largo, era o fiel perfil da infância pobre daquele bairro proletário de Montevidéu. Faltava só um empurrão da fome para cair no estágio do raquitismo. Ainda bem que a comida, pelo menos, não faltava. Ninguém só não entendia como a gula do “el flaquito” não conseguia esconder suas costelas e como aquele corpo era capaz de ficar horas correndo atrás de uma bola nas peladas da rua ou no campinho da pequena escola.

Aos 10 anos, uma febre o prendeu em casa e coube ao pai ir avisar aos professores. Era dia de festa no colégio. Os mestres entenderam a ausência, mas sem antes avisar que o garoto era imprescindível no sábado, num jogo decisivo do time escolar. Desde aquela idade, o uruguaio Enzo Francescoli jamais deixou de ser necessário dentro de um gramado. Seus feitos no juvenil do Wanderes, antigo clube da capital uruguaia, repercutiram no país vizinho.

Entre 1983 e 1986, se tornou um grande ídolo do River Plate, imortalizando a camisa 10 com jogadas de rara beleza. Até hoje seu rosto aparece em bandeiras da torcida, ao lado de craques imortais como Labruna e Di Stefano.


Francescoli foi a mais bela joia do futebol uruguaio desde a geração de Schiaffino e Obdulio, os carrascos da Copa de 1950 no Brasil. Superou em categoria e magia até mesmo um mestre da geração anterior, Pedro Rocha.

O goleiro argentino Fillol, velho conhecido do torcedor brasileiro (e do Flamengo) e um dos maiores do futebol latino-americano na história, dizia que o craque uruguaio “parecia um menino frágil, mas era um vulcão de talento”.

Mexia-se em campo como um primeiro bailarino, passos largos a caminho do gol, o caminhar de príncipe no meio de plebeus. Não à toa, ganhou o apelido de “El Príncipe”, homenagem a Aníbal Ciocca, ídolo uruguaio dos anos 30 e 40.


Com Francescoli a seleção do Uruguai quebrou um jejum de glórias e resgatou o glamour do futebol que jogava até a década de 70. Graças a ele, a “Celeste” foi a quatro finais da Copa América, ganhando três delas, 1983, 1987 e 1995.

No River virou ídolo entre os vizinhos. Jamais um estrangeiro foi tantas vezes capa das patrióticas revistas esportivas argentinas. Venerado no Monumental de Nuñez, em 1987, batendo a seleção hermana na final da Copa América.

Fazia gols com pinta de artes plásticas, cada um mais bonito que o outro. Era especialista em finalizar com bola parada, como na final da CA de 1983 contra o Brasil, ou de chilena e voleio. Os ex-goleiros do Boca Juniors que o digam.

Foi ídolo também na Europa, no Racing Matra e Olympique de Marselha, na França; e do Cagliari e Torino, na Itália. Nos anos 90 retornou ao River e comandou novas conquistas. Parou em 1998, no ano da Copa da França.

O craque teve um forte motivo para sentir-se feliz com o título da seleção francesa no ano da sua aposentadoria. Nos anos 1980, quando atuava no Olympique, o craque era acompanhado até nos treinos pela idolatria de um jovem jogador francês.

Ao tornar-se profissional, o rapaz jogava vestindo por baixo do uniforme uma camisa que pertencera a Francescoli. Quando nasceu seu primeiro filho, batizou-o de Enzo, uma apaixonada homenagem ao ídolo. Até um gênio como Zidane lhe fez louvação.

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