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abril 23, 2023

O covil do ditador

Alex Medeiros – Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.

Alex Medeiros - Jornalista e Escritor [alexmedeiros1959@gmail.com ]

A indústria do turismo tem tantas vertentes para a curiosidade humana, que até Adolf Hitler é mais que motivo para lucros. A cidade alemã da região da Baviera, Obersalzberg, aguarda um recorde de visitantes nestes primeiros meses de 2023, por causa do aniversário de 100 anos da chegada do ditador nazista de sangue austríaco. Foi lá, a partir de 1923, e durante dez anos, que Hitler escreveu a segunda parte do seu livro “Mein Kampf” (Minha Luta).

Foi lá que alguns amigos do III Reich construíram uma estrutura de sonhos na região que já tinha e ainda tem tudo de um paraíso. O local ficou conhecido como o “Ninho da Águia” e se transformou no segundo centro de poder dos nazistas, depois do quartel-general de Berlim. Construído nas entranhas da bela montanha do lugar, era composto de quartel e uma galeria de bunkers para proteger o Führer, sua família e seus principais auxiliares.

Em 25 de abril de 1945, quando os alemães, italianos e japoneses já não podiam resistir ao ataque aliado, o ninho foi destruído por bombas britânicas e depois ocupado por soldados norte-americanos por várias décadas, até 1995.

A partir do começo dos anos 2000, a vila e tudo ao redor viraram um megaprojeto de reestruturação e o “Ninho da Águia” se tornou o Intercontinental Resort Berchtesgaden, um espaço com 138 apartamentos. 

Na época, a transformação da alcova do ditador em ambiente turístico cinco estrelas, rendeu polêmicas com muita escaramuça de judeus fundamentalistas, como os integrantes da entidade Conselho Judeu Central da Alemanha. 

“Este lugar está contaminado pela ideologia dos camisas-pardas”, disseram os importunados aos jornais de Berlim, numa referência aos antigos soldados hitleristas. Opinião contrária tiveram os comerciantes de Obersalzberg.

É que após a saída dos americanos, os negócios do lugar despencaram entre 30% e 40% do faturamento. “O novo polo turístico da vila é muito positivo, porque temos uma boa clientela”, afirmou Marion Huber, dona de imobiliária.

O grande hotel abriu as portas em 2005 com previsão de 40 mil visitantes só na primeira temporada. Visitar ambientes com resquícios da História tem sido o principal motivo dos viajantes desde que inventaram o termo turista. 

E a História é feita de fatos bons e maus e não pode ser amputada por idiossincrasias e traumas. Há quem diga que se fizerem um balanço minucioso, os tempos de guerra foram mais profícuos ao turismo do que os anos de paz.

Tanto é turismo visitar pequeninas igrejas como a de Uruaçu, onde índios e pastores cristãos foram massacrados, como também visitar suntuosas catedrais da Europa, onde a espada da Inquisição católica imolou inocentes. 

A cada ano fica mais contundente o comentário do escritor norte-americano Michael Crichton, em seu livro Linha do Tempo: “o destino mais procurado pela humanidade é o passado”. Pelo menos até descobrirmos a viagem ao futuro.

Por isso que até os dias de hoje, nenhum espetáculo, quer seja esportivo, musical ou teatral, conseguiu superar na média anual de assistência o número de pessoas que visitam museus. O centenário do “Ninho da Águia”, na distante cidade alemã, deverá comprovar o fato mais uma vez.

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