
Maria Elza G. Gonçalves
Vinha de vez em quando. Talvez uma ou duas vezes ao ano. Mas mudava os ares da cidade toda.
Meu irmão que andava lá para o centro da cidade chegava gritando:
– Anita, Anita! Você não acredita o que eu vi!
– O que você viu, guri? Conta logo!
– Eu vi uns três ou quatro caminhões chegando e entrando lá onde ficava o circo!
– Verdade?
– Eu juro. Ele falava beijando os dedos em cruz.
Pronto! Era verdade sim

Criava um frenesi. Tudo começava com o carro de som. Nesse belo dia, passava em frente de casa a charanga com alto-falantes gritando a novidade. E todos corriam para a frente de casa a fim de ver e ouvir aquele que anunciaria a chegada da magia e da alegria, para toda a cidade!
– Breve nesta cidade, o Gran Circo das Américas! Malabaristas, palhaços, globo da morte, e o inconfundível homem-faca.
– Venham todos, teremos várias atrações: a mulher barbada, macacos, elefantes, tigres, girafas e os pequenos macaquinhos jogadores de futebol! Teremos também os desfiles dos pôneis e dos cavalos dançantes! Venham! Venham todos!

A expectativa era criada na cidade, os ares mudavam, pelo menos para nós que queríamos ir ao espetáculo, mesmo sabendo que não tínhamos dinheiro!
Meus irmãos, assim como outros garotos, caprichavam nas engraxadas de sapatos. Iam para a frente dos hotéis, lojas de fazendeiros e faziam seu merchandising.
Homens com botas brilhantes e sapatos limpos e cuidados voltavam a ser vistos circulando pelas calçadas, porque todos estavam no clima bom do circo! Nossa mãe fazia seus milagres também, porque as meninas tinham que ver as bailarinas, os palhaços, os trapezistas, e ela iria junto, claro!

O circo da minha infância se instalava num terreno pertencente à Companhia de Rodagem CER-3. Então, esse lado da cidade, onde se concentrava a praça, o coreto, a Prefeitura, o Clube Municipal, a Igreja Matriz, o Cinema, o Ginásio e a sede da Companhia, era o lugar mais cheio dessa época.
Chegávamos para a sessão da tarde do circo. As bandeirolas coloridas enfeitavam o pátio. Carrinhos de pipocas, vendedores de balões, aviõezinhos feitos de latinhas brilhosas, pirulitos puxa-puxa, algodão-doce, sonhos; se o circo fosse dos completos, teria atrações pelo lado de fora, como pescarias, tiro ao alvo, trens fantasmas. Em filas, com uma alegria só, íamos adentrando e nos posicionando, mas sem deixar de cutucar uns aos outros com nossos saquinhos de balas ou pipocas. Os mais abastados sentavam-se em semicírculos de cadeiras, os ingressos populares iam para arquibancadas de madeira chamadas de “poleiros”.
Mas o que interessava era que estávamos lá. Dentro do circo! A música? Constante!

Alegre! Apropriada! O frenesi? Aumentando! E o palhaço? Andando pelo meio do público, fazendo suas graças, se tornando criança de novo. As bailarinas lindíssimas testando as cordas de malabarismos, e lá ao fundo o globo da morte só esperando para ser trazido ao centro do palco. Acima de nossas cabeças, os cabos dos trapézios com a corda bem esticada e a rede embaixo. Eram tantos e tão variados os mistérios coloridos de um circo, que quando tocava a terceira sirene, as luzes diminuíam, e retumbava a voz:
-Respeitável público, boa tarde! Eis aqui o Gran Circo das Américas! O povo explodia em gritos e palmas!
Pronto: estava criada a Magia do circo! A magia que me acompanha por toda a minha vida!
