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fevereiro 18, 2024

O CAJU ORGÁSMICO

Ana Cláudia Trigueiro-Psicóloga e escritora Todos os dias pela hora do almoço, ele sentava à mesa da copa, na repartição onde trabalhava.

Ana Cláudia Trigueiro-Psicóloga e escritora

Todos os dias pela hora do almoço, ele sentava à mesa da copa, na repartição onde trabalhava. Após comer tranquilamente sua marmita, iniciava o ritual de sofreguidão com as frutas trazidas da quitanda ao lado.

Pinhas e cajus eram as preferidas, mas seriguelas, umbus e pitombas, de vez em quando, participavam do frege. Os colegas, que entravam e saíam do diminuto espaço, participavam da esbórnia como voyeurs involuntários.

Umbus azedos produziam caretas, bicos e até mesmo lágrimas no rosto do excêntrico funcionário. Quando chupava os gomos das pinhas, semicerrava os olhos de prazer. Na hora do caju, a coisa tomava proporções vexatórias: suspiros, ânsias, contorções de puro êxtase, caldos escorrendo pelos cotovelos. Um cheiro de bacanália frutívora espalhando-se pelo ar.

Após longas mastigações e apaixonadas lambidas de beiços, iniciava a cusparada dos caroços. O prato de alumínio reagia com estardalhaço às pancadas dos grânulos duros: pein, pein, pein!

O ninfomaníaco das frutas esquecia-se do mundo quando comia a sobremesa preferida. Fora criado no sítio, em meio a pomares sedutores (mangueiras voluptuosas, goiabeiras sensuais, caramboleiras provocantes e umbuzeiras devassas foram sua perdição).

Os colegas assistiam estarrecidos. Uns, pudicos, saíam e iam comer suas marmitas bem longe, outros, gaiatos, mordiam os lábios para não cair em frouxos de riso. Alguns permaneciam estáticos, hipnotizados por aquela obscena demonstração de prazer.

Ao final, a mesa encontrava-se suja e os espectadores, amontoados do outro lado, livrando seus pratos dos respingos. Depois, todos voltavam para suas salas, comentando o caso por entre risos ou em um mutismo espantado.

Uma funcionária metida a contadora de causos resolveu escrever a história da estranha orgia das frutas. A narrativa só pôde ser divulgada cinquenta anos após a morte do protagonista, pessoa de bom trato, apesar do fetiche frutiquitandeiro.

Quem nunca se lambuzou com uma manga, que atire a primeira pedra.

Uma resposta para “O CAJU ORGÁSMICO”

  1. Quantas vezes de baixo de uma mangueira ou em cima da goiabeira do quintal, da minha casa, quase em frente ao Pio X11, em Mipibu, chegava ao orgasmo com língua enfiada numa manga ou entre os dentes de leite, aina roendo uma deliciosa goiaba.
    É quando pelas manhãs, ao bacanal das frutas no sítio da minha vó Amélia na rua ( ladeira do Ôlho d’água)