Nos dias de Carter
Alex Medeiros – Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte Entre a noite de quarta-feira e o dia de quinta-feira, eu juntei um uísque amigo, uma fraterna resenha e uma TV ligada nos acontecimentos dos EUA.
Alex Medeiros - Jornalista e Escritor (@alexmedeiros1959) Texto publicado na Tribuna do Norte
Entre a noite de quarta-feira e o dia de quinta-feira, eu juntei um uísque amigo, uma fraterna resenha e uma TV ligada nos acontecimentos dos EUA. Lembrei dos anos de juventude em que Elvis Presley partiu como se comungasse com a opinião das multidões que rejeitavam o governo de Jimmy Carter. Cultuei em silêncio os 90 anos de nascimento do rei do rock e me resignei assistindo o ritual dos funerais do velho ex-mandatário da Casa Branca entre 1977 e 1981.
Carter morreu aos 100 anos, num domingo, sem sofrimento, como disseram os jornais e TVs americanos. Talvez tenha sido o mais fraco presidente, apesar de eu achar que poucos foram tão medíocres quanto John Kennedy, o janota católico que enfiou seu país na guerra insana do Vietnã e transformou a Casa Branca num bordéu particular para suas taras sexuais em esposas alheias.
O tempo de Jimmy Carter foi o tempo do meu primeiro emprego, quando assumi um balcão de farmácia aos 17 anos, em 1976, logo após a eleição do sorridente sulista democrata. Durante sua gestão, que afetou o mundo, eu me iniciei nos movimentos culturais, estudantis e políticos, assim nesta ordem.
Jimmy Carter governou com ampla maioria no Congresso americano, mas teve o azar de haver uma forte corrente conservadora nos países mais relevantes do planeta. Seus homólogos viraram manchetes com críticas dirigidas a ele.
Em que pese seu perfil pacífico e conciliador, não se deu bem na condução da geopolítica e da economia interna, sendo responsabilizado pela crise que afundou os EUA em altas taxas de desemprego e de inflação sem precedentes.
Faz parte do retrato geracional daqueles anos a imagem de uma multidão no Irã invadindo e ocupando a embaixada norte-americana, transformando em reféns 52 cidadãos, um drama policito que durante 444 dias desgastou Carter.
Quem assistiu em 2012 o belo filme “Argo”, dirigido por Ben Affleck, teve a devida noção do que foi o inferno da Casa Branca entre novembro de 1979 e janeiro de 1981, o longo período que durou o cativeiro daquele grupo de reféns.
Por ironia ou destino na consolidação do fracasso do governo Jimmy Carter, os terroristas iranianos libertaram os reféns exatamente no dia que encerrou a administração do trigésimo nono presidente dos Estados Unidos da América.
Convém lembrar que naquele meio tempo, em abril de 1980, Carter tentou uma cartada ordenando uma ação de resgate que acabou desastrosa e vergonhosamente com dois aviões caças dos EUA colidindo no deserto do Irã.
Aquela trapalhada e as mortes dos pilotos enterrariam de vez todas as chances de êxito do presidente na campanha de reeleição. E arranharia a imagem triunfante do poderoso império continental, levando um trauma aos cidadãos.
A derrota de Jimmy Carter foi coisa de cinema, superado por um ex-ator de filmes de faroeste, Ronald Reagan, que acabaria se tornando o melhor presidente norte-americano na segunda metade daquele agitado século XX.
Entretanto, há uma sombra controversa, uma conclusão contraditória quando as análises sobre seu governo passaram a ser feitas muitos anos depois. O perfil pessoal do presidente terminou por sobreviver ao naufrágio da gestão.
Os analistas passaram a chamar Carter de o melhor ex-presidente dos EUA, como estampou a revista Time em 1989, exatamente o ano em que Reagan, Thatcher e João Paulo II derrubaram o Muro de Berlim e o próprio comunismo.
Demorou perceber que Jimmy Carter foi pioneiro na redução dos combustíveis fósseis, no combate ao conflito racial nos EUA, no diálogo de paz no Oriente Médio e no êxito junto à União Soviética para limitar as armas nucleares.
E a cereja do bolo foi o Prêmio Nobel da Paz que ele recebeu em 2002, quando minha juventude e o seu governo já estavam num passado distante.