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março 3, 2024

Neste mesmo dia no próximo mês, no mesmo local

Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor O quarto do hotel branco, moderno, frio.

Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor

O quarto do hotel branco, moderno, frio. Ela odiava quartos brancos. E modernos. E frios. Mas, amava a cama imensa cheia de travesseiros. E as cortinas em tons de terra. E a banheira.

O Uber falando sem parar. Sobre o governo, sobre o tempo, a partida de futebol. Ele odiava conversar com desconhecidos. Odiava táxis, veículos de aplicativos. Amava os prédios passando por pelos seus olhos, como os edifícios estivessem em movimento, não ele próprio a bordo do veículo.

Ela amava lingeries. De todos os tipos. Dos mais comportados e insinuantes aos mais provocantes. Odiava a cor vermelha. Não sabia por que comprara um conjunto desta cor. Usaria o preto.

Ele odiava recepcionistas de hotel. Odiava a educação polida e mecânica. Mas amava elevadores. Amava a sensação de infinitude e ascensão que eles lhe proporcionavam.

Quarto 701. Ele odiava números ímpares. Ela amava andares altos. Ele amava carpetes. Ela odiava paredes com pintura fosca.

Tocou a campainha. Odiava quando ela demorava a abrir a porta. Ela amava demorar alguns segundos até andar lentamente rumo à porta. A sensação de angústia e expectativa dele no corredor (deserto?) a excitava.

Ele amava encontra-la de lingerie. Naquele dia era um espartilho preto e cinta-liga. Ela amava vê-lo de paletó e gravata. Sabia que ele odiava paletó e só o usava quando ia encontra-la.

Cama. King size, que ambos amavam. Ela amava que ele começasse as preliminares pelos pés dela. Ele amava quando ela o puxava para cima do corpo dela.

Ela odiava unhas compridas, que podiam machucá-la justamente nas coisas que a apeteciam. Ele sabia disso, e passou a amar um cortador de unhas que comprou na Itália. Ele odiava a sensação da língua em seu ouvido. Ela o sabia e amava experimentar suas línguas em outras regiões do corpo dele.

Ele amava quando ela murmurava palavrões, termos chulos. Ela amava quando ele ordenava que ela se virasse.

Ela aprendera a amar quando ele derramava o gozo dele em seu rosto. E ele amava quando ela, após tanto amor, deitava a cabeça em seu peito.

Ele odiava cigarro e amava que ela havia desistido de fumar, pelo menos quando estava com ele. Por sua vez, ela odiava perfumes fortes e ele passou a amar perfumes discretos.

Ambos amavam ver a cama desarrumada. E amavam quando os corpos pediam mais.

Também ambos odiavam o relógio dele. E o despertador do celular dela apitando a hora de ir.

Ele não odiava o marido dela. Odiava não ter coragem de pedir que ela se separasse dele.

Ela odiava a si mesmo, por várias razões. Pelo marido, nem amor nem ódio. Indiferença. E odiava que o homem à sua frente não tomasse decisões.

Eu amo você, disse ele bastante sério.

E eu odeio você, disse ela, sorrindo.

Ele riu. Mas, odiava aquele tipo de brincadeira (ou jogo). Ela amava quando ele ficava inseguro.

Ele odiava quando desciam juntos e o momento de acompanha-la ao táxi.

Ela amava essa gentileza dele, mesmo com a tristeza da partida.

Ele odiava o momento de dizer sempre a mesma frase: Daqui a um mês, neste mesmo local?

Ela amava lembrar que em trinta dias passariam por aquilo tudo novamente. Sim, neste mesmo dia no próximo mês, neste local. Gosto daqui.

Eu gosto é de você, pensou, sem abrir a boca. Odiava quando queria dizer algo e as palavras não saiam.

Odiava o beijo derradeiro, discreto, quase mecânico, de despedida, em público.

No táxi, ela odiava a música romântica melosa no som do veículo. Mas amava o silêncio tranquilo do motorista, um senhor grisalho com cara de avô.

Neste mesmo dia no próximo mês, naquele mesmo local, pensou ela. Odiou a sensação de ter de voltar para casa.

Ele não pegou o Uber e entrou em um bar próximo ao hotel para uma cerveja. Odiava cerveja, mas não queria drinques naquele momento.

Um mês passa rápido, disse a si mesmo, odiando a resiliência conformada que mais que prejudicava do que ajudava.

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