NESTE DIA NINGUÉM CHORA

fevereiro 19, 2023

Nilo Emerenciano – Arquiteto e Escritor Taí, mais uma vez, o carnaval.

Nilo Emerenciano - Arquiteto e Escritor

Taí, mais uma vez, o carnaval. E esse ano ele vem com ares de uma liberdade recém conquistada, de uma festa muito além da avenida e das ruas. Lembra-me o carnaval da abertura política, em 1986, quando as pessoas foram as ruas com um grito reprimido há 20 anos, repetindo o refrão do samba da Império Serrano: “Me dá, me dá/ Me dá o que é meu/ Foram 20 anos/ Que alguém comeu.” Afinal, o que representa para nós, o carnaval?

Carnaval em Natal em 2023 - Foto blog www.canindesoares.com

Talvez seja a manifestação cultural sobre a qual foram feitos mais trabalhos, na área da fotografia, filmes, literatura e música. E possivelmente a que mais tenha sofrido transformações ao longo do tempo, se renovando sempre e sobrevivendo aos que acham que ele morreu.  

De minha parte lembro os corsos da Avenida Deodoro a partir da carona do jipe de um vizinho, vendo passar as agremiações de elite, as famílias nas calçadas, o "Bloco da Gentinha" do governador de então, os índios Guaranis sempre conduzindo um caçador ferido, jatos de lanças perfumes e as formidáveis escolas de samba.

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Dessas, havia duas que eram dos militares das Base Aérea e Naval: Acadêmicos do Ar e Aí Vem a Marinha, ambas com baterias de arrepiar. Os mecânicos e serralheiros das Rocas davam espetáculo na Ferro e Aço no Samba. E a grande vencedora sempre era a Malandros do Samba, do mestre Melé. A meninada cantarolava o refrão pretensioso: “Tantos anos de luta/ tantos anos de glória/ a Malandros do Samba/ deixa seu nome na história.”

Os blocos de elite eram, acredito, exclusividade da cidade do Natal. Funcionava assim: um grupo de rapazes se reunia, escolhiam nome, cores, fantasia, alugavam um trator e duas ou três caçambas além de uma orquestra, decoravam tudo aquilo e pronto, saíam a praticar 'assaltos' no bom sentido, que era visitar a casa da longa lista dos interessados que convidavam a turma.

E haja diversão. Os mais marcantes foram o Lunik, Jardim de Infância, Ressaka, Magnatas, Milionários, Saca-rolha. Essas turmas emendavam a noite nos clubes da moda, Assen, América, AABB, Aero Clube e as vezes fechavam a maratona de quatro dias, no Palácio dos Esportes.

Bloco Puxa Saco
Bloco Saca Rolha

Saí um ano em um desses blocos. Na quarta-feira de cinzas estava apenas vivo depois de todo aquele rojão. Foi meu último carnaval. No ano seguinte fizemos, eu, Levi Bulhões e Reinaldo Azevedo, a decoração da Assen. Peguei a grana e fui passar os quatro dias em Jacumã, que à época era um arruado de difícil acesso, em uma casa alugada a um pescador. Jacumã não tinha sequer energia elétrica. Vi, da beira da praia deserta, cinco luzes brilhantes cruzarem lentamente o céu. Nem contei a ninguém, afinal quem iria acreditar? Seriam OVNIS buscando diversão como os americanos que durante a guerra chegaram na av. Tavares de Lira perguntando “- No more Cecília?” sem perceberem que o carnaval havia acabado? Daí pra frente virei folião de beira de praia.

Praia de Jacumã

Assisti uma noite a um ensaio da Balanço do Morro, ali na rua Campos Pinto, hoje, merecidamente, rua Mestre Lucarino. A Escola ficava em frente ao terreiro do pai de santo José Clementino. Foi bom ver de perto a luta e abnegação daqueles foliões. Tudo feito na base de muito sacrifício e luta. Mas o meu interesse pelas escolas durou até ver a Mangueira, Estação Primeira, resistência do samba no pé, entrar na avenida Sapucaí com a comissão de frente sambando a passos marcados.

Tristeza. Daí pra frente valeu tudo, drones, componentes voando na avenida, contraventores, sambas em ritmo de marcha, efeitos eletrônicos. Em 1982 a Império Serrano já cantava: “Super escolas de samba SA/ Super - alegorias/ Escondendo gente bamba/Que covardia / Bum, bum paticumbum, prugurundum / O nosso samba minha gente é isso aí, é isso aí”.

 Pois é, há quem goste, eu tenho as minhas restrições. Me parecem mais exibições do Cirque du Soleil. São Paulo botou a pá de cal. Escolas com nomes como X-9, Mancha Verde, Gaviões... Me poupem, ou melhor, não poupem, pois cada geração tem as escolas de samba que merece.

A Banda Gália durante algum tempo agitou as ruas da cidade do Natal, com um carnaval alegre, simples e barato. Era uma alternativa para os que não queriam se deslocar para Olinda ou Salvador. Diversão na veia. A banda sempre terminava descendo a Ladeira do Sol e se concentrando em frente do bar Castanhola. O ingrediente principal era o entusiasmo da turma.

Percurso da Bandagália arrastava multidão a pé ou de carro por ruas da Ribeira e Petrópolis,
passando por todo tipo de bar até chegar na praia ao raiar do dia
Foto: Tribuna do Norte

Muitos anos antes, meu pai junto com amigos alugava uma carroça com burro e tudo. Depois decoravam com faixas e frases espirituosas, colocavam um único músico sentado junto do carroceiro, usavam muita Arrozina, confetes, serpentinas, máscaras, roupas femininas ou de piratas e saiam a visitar casas de amigos e despejar jatos de lança perfume nas incautas. A meninada corria atrás numa felicidade só. Era assim. Papangus, troças, blocos de sujo, mela-mela, tudo junto com muita alegria.

Vamos então cantar, mais uma vez com a Império Serrano: Vem meu amor, manda a tristeza embora / É carnaval / É folia neste dia / Ninguém chora”, afinal, temos muito a comemorar.

2 respostas para “NESTE DIA NINGUÉM CHORA”

  1. Crisolita Thé Bonifácio disse:

    Gostei, imensamente, de relembrar toda aquela folia que não se compara com a atual!Vim com a minha família para Natal aos 6 anos, em 1944, para morarmos na Av. Deodoro, onde cresci. Lá assisti o Carnaval que só trazia alegria. Era gostoso de ver. Parabéns pela saudosista crônica!!!

  2. Carlos Antonio Soares da Silva disse:

    Sem magnífico em suas crônicas. Parabéns!