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março 31, 2024

NATAL À VENDA?

NILO Emerenciano – Arquiteto e escritor Vi um material no portal Saiba Mais intitulado Cidade à Venda? Escrito a quatro mãos, uma delas a de minha amiga, a arquiteta Ruth Athaíde.

NILO Emerenciano - Arquiteto e escritor


Vi um material no portal Saiba Mais intitulado Cidade à Venda? Escrito a quatro mãos, uma delas a de minha amiga, a arquiteta Ruth Athaíde. A tônica são as obras realizadas na orla da cidade, mas a discussão é mais profunda e deveria ser estimulada. Não poderia deixar de meter a minha colher, fazendo algumas observações algumas delas óbvias, outras nem tanto.

O dilema do administrador público é fazer ou não fazer. E mais: como fazer, para quem e por quê. Se não faz, passa a imagem do omisso, incompetente, incapaz. Por outro lado, é pressionado pelos empreiteiros e interessados que vivem das obras públicas, empresários do ramo hoteleiro inclusive, que dependem de uma cidade bela e agradável para atrair o turismo. Se faz, recebe inúmeras acusações.

A primeira delas é que são obras de caráter eleitoreiro, visando sempre futuras eleições. A segunda é que ele visa beneficiar alguns grupos, quando não a si próprio. A terceira é a falta de transparência, de consultas aos envolvidos, associações, moradores e comerciantes das áreas afetadas. Mas se executa, torna-se conhecido como tocador de obras e até perdoado por algumas faltas, ou vocês nunca ouviram o “rouba, mas faz” que deu fama a Maluf?

Vamos lá. Gosto da ideia de intervenção na Redinha. Frequento a praia/vila desde a infância e conheci seus comerciantes e pescadores, inclusive Geraldo Preto, Dona Dalila e seus filhos.

Acompanhei mais ou menos as transformações ao longo do tempo. Algumas para pior. Aquela igreja hoje respeitada, para os que não sabem, sofreu forte oposição na época da construção. Inclusive por dar as costas ao mar em afronta ao povo da pesca que querem os templos voltados para as águas que lhes dão o sustento. Esse fato gerou, na época, um conflito na realização da tradicional procissão da Senhora dos Navegantes. De onde sairia a santa? Da capelinha, humilde e bela, ou da igreja de pedras negras? E, às vésperas da procissão, a santa sumiu, uma forma de protesto dos nativos da Redinha.

Igreja dos Pescadores (Praia da Redinha) - Natal/RN

Mas vejam, como manter a vila intacta, sem energia elétrica como ainda alcancei. Linda na lua cheia para os veranistas, sim, mas e os moradores? Melhor aceitar as transformações, inevitáveis. Não vamos poder voltar aos velhos tempos dos barcos e lanchas de Luís Romão.

Tudo isso vai beneficiar os empreiteiros? Com certeza. Isso é bom ou mau? Não sei, mas a julgar pela estrada que margeia a costa até a praia de Santa Rita, cercada de ruínas, escombros e lixo, as mudanças são bem-vindas.

Vocês hão de concordar comigo que a praia do Meio sofreu anos com a estagnação. A novela do hotel Reis Magos é exemplar. Tanto barulho por nada. Houve uma demanda para Ponta Negra enquanto a praia do Meio apodrecia e os ecos-chatos comemoravam a degradação daquela parte da orla. Adeus pedra da bicuda, poço do dentão, cachoeirinhas da praia do Forte. Adeus O Jangadeiro, Tenda do Cigano,
Panelão, boate Bambelô, trottoir da calçada do Reis Magos. Adeus Chaplin, Chernobil, Castanhola. A Peixada da Comadre apenas sobrevive.

Peixada da Comadre

Será isso que queremos?

A Pedra do Rosário merece alguma atenção, assim como a nossa história. Poucas cidades têm um mito tão rico e interessante como a lenda (?) da nossa santa do Rosário, encalhada e recolhida por pescadores nos parrachos do rio. Não vi o projeto, mas quero acreditar na competência dos nossos arquitetos. A cidade enfim, se volta um pouco para o rio Potengi amado. Não só para os turistas apreciarem, mas
também para nós, natalenses, que vamos ter um lugar para ver o pôr do sol.

Ponta Negra merece algo melhor que apenas enrocamento ou engorda. Uma intervenção mais decidida como a que foi inaugurada agora na praia de Cabo Branco em João Pessoa. Aquilo lá ficou um paraíso para os pedestres e amantes de caminhadas.

Praia de Cabo Branco em João Pessoa/PB

Estive há pouco no Meireles, em Fortaleza. As obras transformaram aquela orla e durante dia e noite as pessoas circulam a pé ou de bicicletas, skates, patins. Praticam esportes ou apenas correm e contemplam aquelas águas plácidas.

Praia de Meireles, em Fortaleza/CE

O documento ironiza o slogan “é obra por todo canto/é obra por todo lugar”. Mas vocês queriam o que? É lixo por todo canto/ entulho por todo lugar”? Já vi coisa piores. O prefeito tem que vender o peixe dele. E o slogan não mente, preciso admitir. Há que se começar por alguma parte, nem que seja pelas calçadas e meios-fios.

Há muito o que ser feito. Ribeira e Grande Ponto são péssimos cartões de visitas. A praça Padre João Maria pede socorro. Essa turma não tem boas ideias para aquilo tudo?

Falo da rua da Conceição, praça André de Albuquerque, que já deveria há tempos ter recebido um mirante voltado para o rio Potengi, Museu do Sobradinho, Memorial Câmara Cascudo, que desde outubro do ano passado está sem energia elétrica (!!!), a Igreja do Rosário dos Pretos, a antiga Casa do Estudante, outrora palco de tiroteio do qual ninguém fala.

Praça André de Albuquerque, abandonada Foto. Magnus Nascimento
Casa do Estudante, outrora palco de tiroteio, na Intentona Comunista de 1935 do qual ninguém fala.

Sempre imagino um amplo calçadão - e para isso é preciso esclarecer os comerciantes: pessoas de automóvel não vêm vitrines e, portanto, não compram - ligando todos esses pontos interessantes.

Enfim, a questão da participação popular. Para isso é preciso uma sociedade organizada. Mais que organizada, atuante. Barulhenta. Assessorada por profissionais que falem com conhecimento de causa. Que busque a imprensa e a rua, bocas e becos.

Mas vamos com calma. O artigo diz que “no balcão de negócios da Prefeitura do Natal, o cliente nem sempre terá razão”. Mas será que não é óbvio? É preciso sempre, invariavelmente, infalivelmente, ter razão?

Uma resposta para “NATAL À VENDA?”

  1. Terezinha Tomaz disse:

    Obras inacabadas, ao final não tem tem beleza…