Mariana Rodrigues - Psicanalista e, nas horas vagas, escritora

Pai, há uma década mais um ano você não existe mais ao meu lado. Isso não impede que você exista no meu universo particular; ora perdido dentro dos atropelos da minha vida cotidiana, ora fazendo com que eu me encontre na bagunça que é ainda existir aqui.

Lembra de Amanda? Minha amiga desde o ensino fundamental? Pois bem, eu sou madrinha do filho dela, Bernardo. E hoje eu escolhi almoçar com ele e, de sobremesa, conversamos sobre a vida e as várias formas de amar.

Sabe Pedroza? Mariana Pedroza, minha amiga da faculdade de Direito? Muito bem; sou madrinha do filho dela, Antônio. E hoje eu também escolhi levá-lo pra lanchar e conversar sobre como é importante a arte que traduz os nossos sentimentos. Eu resolvi não ser mãe, até agora, então, você não será avô de uma prole minha, mas através desses meninos, eu exerço o mais próximo de uma maternidade que não vai existir.

Mas como eu queria que você estivesse aqui pra conhecer essas duas figurinhas. São coisas como essas que, às vezes, me fazem chorar sua ausência. Estive com mamãe hoje à tardinha, não falamos em você, mas eu agradeci, silenciosamente, ainda tê-la ao meu lado.

E sabe o mais bonito? Me tornei uma Psicanalista que, muito embora trabalhe na assistência à qualificação da vida, não teme falar sobre a morte. Comecei meu dia tomando um café com uma paciente cara a mim, com a qual eu falo do fim sem o peso mórbido que usualmente a morte tende a ter.

Preenchi esse dia com experiências que, penso eu, lhe orgulhariam. Como faz falta um elogio suspeito de quem não pode mais se orgulhar. Eu tenho a sorte de me cercar de pessoas que me envolvem na contramão do desenvolvimento que nos atropela.

Hoje, eu precisava lhe escrever, porque o início da semana me direcionou a você de várias formas: na lista de música que o rádio tocou, no lugar bacana que você não pôde conhecer, no primeiro Natal que sua mãe não se fará presente.

Esse ano, a tradição natalina vai evidenciar a sua falta, na ausência de vovó. E a única coisa que me consola é que essa dor não será sentida por você, em contrapartida o vazio será em dose dupla. Amo você do tamanho do universo, que se não é infinito, se desconhece o fim!