Na minha época…
Cefas Carvalho – Jornalista e escritor Gosto imensamente de participar em redes sociais de grupos que resgatam fotos e informações sobre o passado de cidades e seu crescimento urbano.
Cefas Carvalho - Jornalista e escritor
Gosto imensamente de participar em redes sociais de grupos que resgatam fotos e informações sobre o
passado de cidades e seu crescimento urbano. Faço parte de grupos de memórias de São Paulo, Rio de Janeiro e Natal, por exemplo, e me fascino com as imagens do começo do século 20, assim como as comparações de ruas e bairros de ontem para os dias atuais.
Mas o que me desagrada nesses grupos é o número de participantes que não se contenta em admirar o passado, mas faz questão de criticar o presente. Quase sempre com palavras duras: “Antigamente esse lugar era lindo, hoje é perigoso”, “Antes tal rua era calma, hoje é perigosa e tomada pelo crime”, “No passado os homens e mulheres se vestiam de forma elegante, atualmente parecem mendigos”. Para esse pessoal absolutamente tudo nas cidades era muito melhor décadas atrás.
No mesmo conceito da nostalgia tenho um amigo querido com quem saio e converso com frequência que volta e meia diz: “na minha época…” e continua a frase sobre algo que hoje seria ruim e anos atrás era supostamente muito bom. Ele não é o único. Já escrevi neste espaço que muitos homens da minha geração (entre 45 e 55 anos) nutrem uma fixação pelo “antigamente”, que na verdade é uma nostalgia de uma época pessoal (juventude nos anos 80/90) que eles tentam transformar em uma experiência coletiva. Além de quase sempre confundir dinâmicas de tempos diferentes com privilégios e não aceitação de direitos alheios.
Nesse balaio cabe de tudo. A música dos anos 80 era melhor do que a de hoje, e aí como ponto de comparação sempre colocam o supra sumo da época, Queen, Scorpions, Led Zeppelin, Legião Urbana, Plebe Rude, em comparação ao “ruim” de hoje citando Wesley Safadão, Pablo Vittar e Anitta. Filmes? Para eles “Superman” e Os trapalhões eram superiores aos filmes “enlatados” atuais. Barzinhos e restaurantes seriam melhores do que os de hoje e sobra até para o sexo feminino. “Na nossa época as mulheres eram mais educadas, sabiam se vestir, não falavam palavrão”, escutei um conhecido me dizer há umas semanas durante um almoço. Outra frase clichê que ouço é “hoje está tudo muito chão, na nossa época se podia falar qualquer coisa”
O que os marmanjos não levam em conta é que, na música, por exemplo, na “nossa época” havia bizarrices como o grupo Genghis Khan ou Sarajane em pleno Fantástico cantando “abre a rodinha meu amor/tá apertadinha/ vamos abrir a roda/enlarguecer” para a família tradicional brasileira. E hoje temos Otto, Martins, Almério, Ana Canas, Tiê, Ceu, Luiza e os Alquimistas, que esse pessoal nostálgico se recusa a escutar.
Sobre mulheres, é óbvio que esses cidadãos preferem tempos em que as mulheres eram “belas, recatadas e do lar” e não empoderadas e independentes (o que dá direito de se vestir, falar e agir como quiser). Em relação a hoje “tudo estar chato” no fundo é que os marmanjos tem saudades da época que se podia ridicularizar em público com LGBTQIA+s, negros, pessoas com nanismo, PCDs, enfim.
Daí podemos chegar à conclusão que isso de “na minha época” ( um termo por si só sem sentido já que ninguém tem uma “época sua”, enquanto estamos vivos, toda “época” é nossa) ser melhor para os cinquentões do que hoje, mais do que uma (aceitável) opção estética e uma saudade da juventude, trata-se de uma nostalgia de tempos de privilégios e da sensação de se sentir uma “casta” superior.
Não por acaso, alguns dos amigos e conhecidos citados já me brindaram com pérolas como “não tenho nada contra mas os gays hoje não precisam se beijar em público” ou “cada um faz o que quer mas acho errado homem usar brinco”. E por aí vai. O homem hétero-branco-cinquentão-classe média gosta da tal “nossa época” porque eles consideravam seus privilégios como algo natural, quase uma obra divina. Sem querer que nada mude em relação a essa sensação de ser privilegiado. Como também já escrevi aqui neste espaço tempos atrás, citando o eterno Belchior “mas é você que ama o passado e que não vê/Que o novo sempre vem”. Que assim seja.