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abril 14, 2024

Minhas avós Santina e Albertina

Val Costa – Jornalista e Escritora Quanto mais subo nos galhos da nossa árvore familiar, mais mulheres incríveis encontro.

Val Costa - Jornalista e Escritora

Quanto mais subo nos galhos da nossa árvore familiar, mais mulheres incríveis encontro. Essas foram as únicas avós que convivi. Santina, a mais magra, Albertina, a gordinha. São as guerreiras que me deram o sangue, a descendência seridoense.

Santina era a avó branda, com olhos risonhos e jeito pacífico. Natural de Parelhas-RN, filha de Maria Parteira. Dela herdei o jeito de contar histórias, a cor parda, a inteligência com as letras. Não me transferiu a paciência que era sua marca, mas a disposição pro trabalho e o senso de justiça.

Já vó Albertina, tanto era forte quanto corajosa, desbravadora. Natural de Ouro Branco-RN, filha de agricultores. Esse meu jeitão atrevido foi sua herança de fibra para mim. Não queria, eu juro, mas foi dela que peguei o autoritarismo. Corre ainda nas minhas veias a verve mandona, mas domada.

Das duas herdei a luta feminina cotidiana. Desde os tempos delas, o machismo caquético açoita as mulheres das famílias de Santina Costa e Albertina Lucena. Talvez desde antes delas tivemos que aprender umas com as outras a enfrentar qualquer barra pesada.

A primeira vó teve 19 filhos, todos os anos da sua juventude. Sem poder parar, Santina chegou a expelir o útero diversas vezes devido as gestações. E quando ela foi proibida pelo médico de manter relações com o marido, ele simplesmente disse que não podia “viver sem mulher” e se mudou, foi morar com uma mais jovem.

A segunda avó casou-se aos 17 anos com um senhor de 50 (Manoel Lucena). Teve dois filhos, mas ajudou a criar oito da primeira mulher do meu avô viúvo. Teve que endurecer porque a vida nunca foi mole para ela, que chegou a esconder os rolinhos de dinheiro, nos buracos dos tijolos, dos furtos que o pai fazia, para beber. Casou-se bem cedo para evitar essa exploração.

Santina me colocava no colo, eu com dois anos, gordinha e de cabelos ainda claros (nasci assim, depois mudou). Ela catava arroz e eu enfiava as mãos na peneira. Mãe dava palmadas na minha mão, eu fingia chorar e minha vó dizia “não dê em 'Bola de Ouro' não...”, minha mãe conta.

Albertina foi a avó que mais convivi até os dez anos. Ia pouco em sua casa. Mas ela era como meu pai, bruta, porém mesa farta. Adorava suas comidas, seu feijão bem temperado, recheado de legumes. Fui ao seu enterro com a sensação que faltou conhecê-la mais. Ela era para mim como um carvão que não consegui lapidar no diamante.

Agradeço às duas por terem compartilhado comigo seus ensinamentos. Mesmo que poucos pelo pouco tempo de vida juntas. Tudo o que herdei de bom que me serve até hoje e forma o que me tornei, veio primeiro dessas matriarcas, ancestrais inesquecíveis da minha força feminina.

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