Meu outono

abril 2, 2023

Mariana Rodrigues – Psicóloga e cronista Sintetizar é uma ferramenta que muito me custa, mas ainda mais me fascina.

Mariana Rodrigues - Psicóloga e cronista

Sintetizar é uma ferramenta que muito me custa, mas ainda mais me fascina. Sempre concordei que certas imagens até valem mais que mil palavras, mas a minha verdade é que infinitas palavras não chegam nem perto de traduzir o que às vezes eu sinto.

Há muito tempo fiz as pazes com minhas tristezas, mas isso nunca foi garantia de que eu não as sentiria de tempos em tempos. É fato que hoje eu me angustio com muito mais qualidade.

Descobri recentemente que existe uma palavra em japonês que me caiu muito bem nos últimos dias: Yugen! Que traduz lindamente a noção profunda e misteriosa sobre a beleza do universo e a triste fascinação do sofrimento humano.

Certo dia, ouvi de uma criaturinha de 10 anos (um terço da minha existência) que nós somos a poeira desse universo e que isso relativiza tudo que podemos transformar em relevante. O fato é que me parece que quase tudo no percurso da vida, necessita de um caminho até a concepção. Então me respeitei como nunca e me abracei gentilmente enquanto chorava o desespero de parecer estar enlouquecendo.

Pus a culpa na lua, nas águas de março que fecharam meu verão e em todas as elaborações que fiz ao longo das minhas terapias. Mas logo me convenci que não há culpa, porque nenhum crime foi cometido. Exceto as infrações que os encontros causam vez por outra.

Mas pra que serviria o encontrar se nada fosse causado? Coloquei música pra casa ouvir, limpei cada cômodo como quem tenta higienizar as emoções e fui alimentada com um girassol e pão de fermentação natural. Foi me abraçando que consegui ser abraçada e dividir as lágrimas com quem tantas vezes divido sorrisos.

Meu outono, esse ano, me desnudou como costuma desnudar as árvores. Me senti frágil como uma folha seca, mas as folhas secas conseguem ser levadas pela brisa e alcançar novos lugares que presas à árvore nunca alcançariam. Essa é a fascinação que encontrei na minha existência frágil e humana, enquanto mergulhava na profundidade do meu universo particular.

Sentei na borda do meu buraco negro e dei razão à Nietzsche quando vi o buraco me olhar de volta. Senti a beleza da loucura que eu só tinha sentido nas composições de Mozart. Vivi meu Yugen e estou pronta pra não estar pronta!

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