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abril 14, 2024

Histórias que perpassam o cotidiano no busão

Bruna Torres – Jornalista e Escritora Dia desses observei mãos, suadas, sujas, que sustentavam corpos cansados em meio a um corredor de pessoas, no transporte público, que os mais jovens chamam ‘busão’.

Bruna Torres - Jornalista e Escritora

Dia desses observei mãos, suadas, sujas, que sustentavam corpos cansados em meio a um corredor de pessoas, no transporte público, que os mais jovens chamam 'busão'. Comecei a reparar nas pessoas que ansiavam voltar aos seus lares depois de um dia exaustivo.

Quais histórias existiam, em cada uma delas?...

Uma mulher negra, de meia-idade, dormindo num sono profundo ao lado de um jovem, pendendo seu corpo a cada movimento que o ônibus fazia. Os cabelos pretos com alguns fios grisalhos em evidência. Questionei-me o quão cansativo fora o dia daquela mulher ao ponto de deixá-la tão exausta?!

Em outro ângulo, vi outra mulher com a maquiagem impecável, cílios longos e pretos, batom roxo em perfeito estado. Para onde ela estava vindo? Ou será que estava retornando? Será que alguém admirou sua beleza do mesmo modo que eu?!

Naquele mesmo dia, peguei dois ônibus. No segundo, encontrei um ex-colega do Ensino Fundamental, na parada. Falou que estava trabalhando em hotelaria, e eu, em eventos. Conversa vai, conversa vem, colocamos o papo em dia e naquele homem vi um pouco do adolescente que eu tinha conhecido. Rimos muito de algumas coisas. Ele era tímido, mas engraçado, do mesmo jeito que eu conhecia, quando estudávamos juntos.

Agora era meu momento de voltar para casa, para o meu lar e para minha filha. No ônibus, já entrei dando risada com três adolescentes falando sobre beijar na boca. Parecia um assunto tão polêmico na idade deles (eu chuto uns 13 a 14 anos), que aquilo me lembrou um pouco da inocência deles, ainda um pouco preservada. Afinal, eles ainda estavam no estágio de “beijar de língua”, como disseram. Hoje em dia, infelizmente, para alguns isso não significa mais nada. Alguns adolescentes já estão sendo pais e mães sem saber nada das experimentações da juventude, mas não vou entrar neste mérito.

Sorri discretamente quando ao ouvi, um perguntando para o outro: - "Você já beijou de língua?” O rapazinho prontamente respondeu “Sim”, e disse algo que eu não compreendi bem, pois estava me locomovendo, embora tenha percebido o rapazinho questionador ser sagaz com uma garota que estava perto deles, “- ele disse que já beijou você de língua”, e a menina ficou constrangida de um jeito doce, sem tanta malícia do ato.

Sorri e segui meu caminho no corredor, na metade do ônibus que estava cheio, claro. Mais adiante, ouvi um garoto perguntar bem alto para o amigo: - "Você daria o c# para salvar a sua vida?” Segurei a gargalhada, porque eles realmente não parecem ter mais filtros. Sequer ouvi a resposta àquela pergunta. Ufa!

Naquele mesmo ônibus, pouco mais a frente, deparei-me com a irmã de um ex-colega meu da escola do bairro, do mesmo período do rapaz que citei, anteriormente.

Ela está grávida e aquela era a primeira vez que eu a encontrava. Vinha do trabalho. Ela parecia ser a mesma menina que eu recebia na minha casa para dar conselhos, acolher, ouvir músicas e sentir-me sua irmã mais velha, naquela época.

Vê-la casada, feliz, seguindo o rumo de sua vida me deu uma sensação tão boa, de paz e aconchego, de modo que não sei como explicar, foi uma mistura de alegria pelos rumos dela, e um pouco de tristeza em perceber o quão rápida a vida é.

Foi um sentimento maternal muito forte, um misto de emoções que não sei explica. Fiquei me perguntando se um dia, quando a minha filha seguir seu rumo, essa sensação iria tomar conta do meu peito também, talvez até em uma expansão imensurável.

Diante disso tudo eu pensei, por vezes, não sabemos nada uns sobre os outros e tudo bem, claro. Mas quantas histórias e pessoas não perpassam nosso cotidiano? Quantos corações partidos e felizes não cruzam nosso caminho todos os dias num veículo pequeno demais para um problema de mobilidade urbana tão intrínseco, em Natal?!

Sei lá, decidi me apegar às histórias que escondemos dentro de nós, todos os dias, indo cumprir nossas funções e seguir nosso caminho.

Nos dias bons e ruins, nós seguimos, cruzamos com antigos amores, antigos colegas, antigas pessoas que não fazem mais parte do nosso “presente”, mas que, de alguma forma, se tornam um relicário em nossas lembranças.

A vida às vezes parece tão delicada quanto um passarinho prestes a sair de sua gaiola e desbravar o mundo. Em algum momento da vida, estaremos todos ansiosos para levantar voo e algumas pessoas sequer sabem disso.

Nos ônibus, somos corpos ocupando o mesmo espaço, mas jamais, partilhando da mesma história. Somos únicos!

Uma resposta para “Histórias que perpassam o cotidiano no busão”

  1. Solrac Seraos disse:

    👏👏👏👏👏👏