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Ivan Maciel de Andrade
Em matéria de gosto musical, acontece muita coisa curiosa. Existem os intransigentes. De um lado, uma minoria que diminui cada vez mais, tornando-se comercialmente insignificante, que não gosta - detesta, abomina - qualquer manifestação de arte popular. De outro, uma grande maioria que não suporta nem ouvir falar em música clássica. Entre uns e outros há um denominador comum: os que curtem determinado estilo de samba - de Noel Rosa, Cartola, Chico Buarque, Caetano, Tom Jobim - que fala poeticamente sobre o cotidiano da vida de todos nós.
Essas curtições ocorrem quase sempre entre amigos, todos com o copo na mão e um equipamento de som ao lado. É como se o samba fizesse parte da confraternização e do consumo de álcool. Nessas ocasiões, entram as belas músicas de “roedeira”, de “dor-de-cotovelo”.
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E o que se vê é uma adesão indiscriminada. Fica parecendo que o exigente gosto de alguns inimigos da música popular é pura esnobada. Uma forma de elitização, de situar-se acima das preferências da maioria. Embora se deva reconhecer que existe quem goste apenas de música erudita e ponto final. Não se pode contestar essa opção de gosto. Como existem os que preferem certos ritmos populares barulhentos e de afrontosa vulgaridade.
E não se esqueça que há um enorme e fanático contingente de fãs da música importada. Há, em suma, grande diversidade de gosto musical. E, nesse campo, quase tudo é tolerável. Quase tudo, é certo, porque existe um segmento de mau gosto agressivo e grotesco. E é esse segmento que mais incomoda com sons de inimagináveis decibéis, em locais públicos, nas horas mais inconvenientes, em atitudes de selvagem violação da tranquilidade e da paciência alheias.
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Gosto, por exemplo, das músicas de Paulo Vanzolini. Ele era formado em medicina em São Paulo e se doutorou em biologia em Harvard. Dedicava-se em tempo integral ao estudo dos répteis. Mas, nas horas vagas (sempre havia), Vanzolini era grande boêmio e autor de alguns sambas que são verdadeiros clássicos não só pelo lirismo como pela enorme popularidade. Contam e cantam amores frustrados, buscas pela noite adentro que se perdem em desencontros. São piegas, kitsch, de mau gosto?
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A vida é que talvez seja tudo isso. A ronda por todos os bares pode revelar-se inútil, mas nunca termina. “Com perfeita paciência”, a busca sempre se renova. Mais sugestiva, ainda, me parece a “volta por cima”. Esses versos falam de amores passados que nunca passaram e de emoções que estão arraigadas na alma como parte do próprio ser: “Chorei, não procurei esconder/ Todos viram, fingiram/ Pena de mim, não precisava/ Ali onde eu chorei/ Qualquer um chorava/ Dar a volta por cima que eu dei/ Quero ver quem dava”. Pois “um homem de moral não fica no chão” nem quer que mulher (olhe o machismo!) lhe dê a mão: “Reconhece a queda e não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ E dá a volta por cima”