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janeiro 28, 2024

Gosto musical

Ivan Maciel de Andrade Em matéria de gosto musical, acontece muita coisa curiosa.

Ivan Maciel de Andrade

Em matéria de gosto musical, acontece muita coisa curiosa. Existem os intransigentes. De um lado, uma minoria que diminui cada vez mais, tornando-se comercialmente insignificante, que não gosta - detesta, abomina - qualquer manifestação de arte popular. De outro, uma grande maioria que não suporta nem ouvir falar em música clássica. Entre uns e outros há um denominador comum: os que curtem determinado estilo de samba - de Noel Rosa, Cartola, Chico Buarque, Caetano, Tom Jobim - que fala poeticamente sobre o cotidiano da vida de todos nós. 

Essas curtições ocorrem quase sempre entre amigos, todos com o copo na mão e um equipamento de som ao lado. É como se o samba fizesse parte da confraternização e do consumo de álcool. Nessas ocasiões, entram as belas músicas de “roedeira”, de “dor-de-cotovelo”.

Foto Ilustrativa

E o que se vê é uma adesão indiscriminada. Fica parecendo que o exigente gosto de alguns inimigos da música popular é pura esnobada. Uma forma de elitização, de situar-se acima das preferências da maioria. Embora se deva reconhecer que existe quem goste apenas de música erudita e ponto final. Não se pode contestar essa opção de gosto. Como existem os que preferem certos ritmos populares barulhentos e de afrontosa vulgaridade.

E não se esqueça que há um enorme e fanático contingente de fãs da música importada. Há, em suma, grande diversidade de gosto musical. E, nesse campo, quase tudo é tolerável. Quase tudo, é certo, porque existe um segmento de mau gosto agressivo e grotesco. E é esse segmento que mais incomoda com sons de inimagináveis decibéis, em locais públicos, nas horas mais inconvenientes, em atitudes de selvagem violação da tranquilidade e da paciência alheias. 

Foto Ilustrativa

Gosto, por exemplo, das músicas de Paulo Vanzolini. Ele era formado em medicina em São Paulo e se doutorou em biologia em Harvard. Dedicava-se em tempo integral ao estudo dos répteis. Mas, nas horas vagas (sempre havia), Vanzolini era grande boêmio e autor de alguns sambas que são verdadeiros clássicos não só pelo lirismo como pela enorme popularidade. Contam e cantam amores frustrados, buscas pela noite adentro que se perdem em desencontros. São piegas, kitsch, de mau gosto?

Compositor Paulo Vanzolini | Exame

A vida é que talvez seja tudo isso. A ronda por todos os bares pode revelar-se inútil, mas nunca termina. “Com perfeita paciência”, a busca sempre se renova. Mais sugestiva, ainda, me parece a “volta por cima”. Esses versos falam de amores passados que nunca passaram e de emoções que estão arraigadas na alma como parte do próprio ser: “Chorei, não procurei esconder/ Todos viram, fingiram/ Pena de mim, não precisava/ Ali onde eu chorei/ Qualquer um chorava/ Dar a volta por cima que eu dei/ Quero ver quem dava”. Pois “um homem de moral não fica no chão” nem quer que mulher (olhe o machismo!) lhe dê a mão: “Reconhece a queda e não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ E dá a volta por cima”

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