Fonte: vozes da minha cabeça

agosto 25, 2024

Cefas Carvalho – Jornalista e Escritor Dando uma tediosa geral pelo Instagram, dou de cara com uma postagem registrando que MC Melody é a jovem mais bonita do Brasil.

Cefas Carvalho - Jornalista e Escritor

Dando uma tediosa geral pelo Instagram, dou de cara com uma postagem registrando que MC Melody é a jovem mais bonita do Brasil. Dias atrás em um grupo de zap recebi a informação que o RN é o estado do Brasil com mais buracos em estradas. Semanas atrás, durante as Olimpíadas, li dezenas de textos celebrando os e as atletas mais bonitas/bonitas dos jogos.

Nos três casos, como sempre faço há anos, talvez décadas, li com atenção mais para saber a fonte da informação do que pela notícia em si. Nada. MC Melody é a mais bonita porque o autor (anônimo) do texto assim o decretou e pronto. O Rio Grande do Norte tem mais buracos em estradas que os demais estados porque assim decidiu o blogueiro, sem apresentar números, dados do DNIT, do Governo, nenhum. E os mais belos dos jogos o são na visão de quem escreveu o texto, embora no momento nem sempre imaginasse que havia uma comissão, uma associação, um grupo de determinadas pessoas que se unisse para a escolha, como em um festival de cinema ou concurso literário.

Não se trata de questionar opinião, afinal, cada um de nós tem o direito de achar tal atriz a mais linda, tal jogador de futebol o melhor, determinadas canções como as maiores. Registrei material postado como reportagem ou textos que representam uma opinião coletiva, um consenso.

Mas, na verdade, os exemplos citados representam outra coisa, nessa era de pós-verdade: a ausência de fontes. Como jornalista, para mim toda informação passada como uma verdade ou uma conclusão deriva de uma fonte. Fulano de tal foi o jogador do ano, certo.

Quem o disse? Revista tal com base na opinião de cinquenta técnicos pelo mundo afora, ok. Tais novelas são as dez melhores da história? Quem disse? Associação de Críticos de TV de Pirapora do Norte, ok!

Uma cidadezinha italiana é a que mais planta manjericão do mundo, certo"! Fonte: Governo da Itália através do Ministério da Agricultura com divulgação do número de hortas e de toneladas produzidas e vendidas. É assim que funciona o jornalismo. É assim que deveria funcionar a transmissão de informações.

Esse excesso de material sem fonte e a vontade ávida de internautas de compartilharem qualquer coisa, faz com que textos e imagens apócrifas sejam disseminadas de uma forma que não seja mais possível estabelecer a verdade. Lá estou eu rolando minha timeline e, de repente, uma frase edificante de Morgan Freeman. Uma declaração de efeito de Faustão. Um conselho sábio de Bill Gates ou Charles Chaplin.

Mas me pergunto, onde e quando eles disseram tal frase? Em que entrevista? Trata-se de atores, apresentador, empresário nerd, não de coaches. O mais provável é que jamais tenham dito ou escrito essas frases. Mas alguém criou ou pegou a frase, colocou numa arte com uma foto dos citados e postou nas redes e grupos de zap. Temos então um meme. Mais que isso, uma nova (pós) verdade.

Assusta-me que tanta gente, principalmente entre os cinquenta e sessenta anos ainda que viajada, culta e com formação superior, acredite em tanta facilidade em tudo que vê nas redes. E que não cobre a fonte das informações. O link original de veículo informativo ou canal oficial do poder público ou privado.

Talvez porque duvidar e questionar dê trabalho. Além de ser a era da pós-verdade, também estamos nos tempos de facilidades, da tecnologia nos tornar mais preguiçosos. Alexa, faça isso, Alexa faça aquilo! Aplicativos que em segundos fazem o que levávamos horas para fazer indo a uma agência bancária. Por que perder tempo então para averiguar se aquela foto das crianças que formam o rosto de Jesus é feita por Inteligência Artificial ou se a estudante realmente ganhou um prêmio de Física ou é a atriz pornô Mia Khalifa?

Parece engraçado, mas não é. Porque a cultura de verdades que não as são facilita a disseminação de fake news feitas com motivação político-eleitoral, já que construímos nem tanto aos poucos, internautas prontos para crer em qualquer coisa veiculada na internet. Sem questionar, sem perguntar a fonte.

Recordo que quando a internet era mato, como dizem, eu já me angustiava com as poesias atribuídas a Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Por meia dúzia de vezes quando tentei mostrar gente querida que os versos não fossem dos gênios citados, fui mal recebido, de maneira que sosseguei.

Para finalizar, cito frase do genial poeta italiano Dante Alighieri: "Se as pessoas não te ouvem, deixe que percebam sozinhas seus equívocos de maneira a se tornarem pessoas melhores por elas próprias". Onde li isso? Sei lá, por aí. Fonte: internet. E as vozes da minha cabeça.

Uma resposta para “Fonte: vozes da minha cabeça”

  1. Carlim disse:

    Já não se importam ou relegam a essência das coisas.