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abril 30, 2023

Foi bonita a festa, pá!

Cefas Carvalho – É Jornalista e escritor O verso que dá título a este texto, como se sabe, abre a bela canção “Tanto mar”, de Chico Buarque de Hollanda e celebra a Revolução dos Cravos, o que falaremos mais à frente.

Cefas Carvalho - É Jornalista e escritor

O verso que dá título a este texto, como se sabe, abre a bela canção “Tanto mar”, de Chico Buarque de Hollanda e celebra a Revolução dos Cravos, o que falaremos mais à frente. Mas a frase – que será usada nesta data em muitos outros textos, bem sei – também sintetiza com exatidão o que foi a entrega nesta segunda-feira, 24, em Sintra, do Prêmio Camões ao mesmo Chico Buarque, pela sua obra literária e poético-musical.

Também, como se sabe, o Prêmio Camões é a maior celebração da literatura em língua portuguesa, já tendo sido outorgado a gênios nacionais como Lygia Fagundes Telles, Rachel de Queiroz, Raduan Nassar e Jorge Amado, além de lusitanos como José Saramago e Lobo Antunes e africanos como Paulina Chiziane (Moçambique), Mia Couto (Angola) e Germano Almeida (Cabo Verde).

Na verdade, o Camões havia sido indicado para Chico em 2019, mas na ocasião o então presidente, de extrema-direita e em luta pública contra a arte, se negou a assinar o diploma, como pedia a liturgia da premiação. Depois veio a pandemia e por fim a vitória de Lula em 2022 que restabeleceu a democracia plena no Brasil.

E quis o destino, ou uma conjuração da literatura, como diria o argentino Jorge Luís Borges, que Lula em visita oficial a Portugal, assinasse o diploma e entregasse a honraria ao amigo Chico, juntamente com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, em bonita festa – justificando a letra da música – marcada por emoção e também desabafos político, ironia e celebração da democracia.

Lula em seu discurso logo no início recordou o desprezo do presidente anterior pela cultura e pelos artistas. “Se hoje estamos aqui para fazer esse gesto de reparação e celebração da obra do Chico, é porque a democracia venceu no Brasil”, disse. Chico seguiu a mesma linha e soltou, entre outras farpas, uma preciosidade: “o ex-presidente (ao não assinar) teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu prêmio”.

O destino também fez com que Chico recebesse sua honraria no aniversário da morte do pai dele, o historiador, sociólogo e escritor Sérgio Buarque de Hollanda, que morreu em 24 de abril de 1982 aos 79 anos. E como dito no parágrafo inicial, a celebração do Camões se deu na véspera dos festejos do 25 de abril, quando os portugueses comemoram o movimento civil-militar chamado Revolução dos Cravos, que derrubou Marcelo Caetano, sucessor do ditador Antonio Salazar, em 25 de abril de 1974 encerrando um longo período de ditadura (41 anos).

Sobre o apelido da revolução, o cravo vermelho tornou-se o símbolo do movimento após uma trabalhadora num restaurante andar pela rua com um ramo de cravos nas mãos. Um soldado teria pedido um cigarro, mas ela só tinha as flores e decidiu então iniciar a distribuição dos cravos aos soldados, que os colocaram nos canos das suas armas, iniciando uma tradição. Para quem é cinéfilo, há um excelente filme de Maria de Medeiros sobre o tema, “Capitães de abril”, de 2000.

Nada mais poético e belo, portanto, que Chico e Lula em Portugal nesta data. Necessário ainda lembrar que o compositor e escritor, com a esposa Carol Proner visitou Lula na prisão em setembro de 2019 e ambos conversaram sobre a situação do prêmio e o petista teria dito que após sair da injusta prisão e se tornar presidente novamente ele próprio assinaria o diploma e entregaria a honraria ao amigo. Assim foi. Que seja bonita a festa em Portugal nesta terça-feira, pá! E que a democracia continue sendo a nossa festa cotidiana.

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