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março 24, 2024

Figurinhas e delitos lúdicos

ALEX MEDEIROS – Jornalista e Escritor [Instagram @alexmedeiros1959] – Texto publicado na Tribuna do Norte Na segunda-feira, alguns sites publicaram a notícia de que um adolescente foi interceptado em Belo Horizonte pela polícia civil mineira após gastar dez mil reais na compra de figurinhas.

ALEX MEDEIROS - Jornalista e Escritor [Instagram @alexmedeiros1959] - Texto publicado na Tribuna do Norte

Na segunda-feira, alguns sites publicaram a notícia de que um adolescente foi interceptado em Belo Horizonte pela polícia civil mineira após gastar dez mil reais na compra de figurinhas. Ele conseguiu a alta quantia numa transferência ilegal via internet surrupiando a grana direto da conta do seu pai pelo aplicativo do banco no celular do coroa.

O garoto já vinha sendo investigado por práticas semelhantes as dos hackers, invadindo perfis e senhas para dar golpes. O que me estranha na tal notícia é o motivo para roubar dez mil reais: comprar figurinhas. Esse moderno e louco mundo digital consegue até reproduzir crimes numa tradição tão lúdica e tão inofensiva quanto colecionar álbuns ilustrados.

O caso me remeteu à infância, quando o ato mais incriminatório que havia era durante o jogo de bafo umedecer a palma da mão com saliva para que a figurinha virasse mais fácil ao colar na mão e descer ao chão com a estampa para cima.

Não esqueci um deslize que pratiquei diversas vezes em 1970, aos onze anos, na ânsia de completar a coleção da fábrica de biscoitos e massas Weston, que naquele ano também investiu no grande apelo comercial da Copa do México.

Eram as figurinhas do Brasil e dos três clubes de Natal, ABC, Alecrim e América, que vinham nos pacotes, cujo único local que eu tinha acesso era a mercearia de Seu Waldomiro, que se tornaria sogro do amigo Edivan Martins.

Como já se vão mais de 50 anos e o delito prescreveu, delato que tive a cumplicidade da filha mais velha do dono da venda, minha amiga Verônica, que fazia comigo um rasgo discreto nos pacotes de macarrão e bolacha Weston.

Assim, eu conseguia puxar dali de dentro as figurinhas. Inesquecível ver sair Alberi, Pancinha, Icário, os craques locais, e mais Gerson, Tostão, Rivelino e outros heróis do tricampeonato brasileiro na Copa 1970, a última do Rei Pelé.

Naquele tempo ainda eram permitidas figurinhas difíceis nos álbuns (proibidas em 1975) e a fábrica natalense seguiu o padrão, levando muita gente a completar a coleção por não achar Icário (Alecrim), Pancinha (América), Esquerdinha (ABC) e Jairzinho (seleção brasileira).

Aquele rasga-rasga na mercearia da Rua Mário Lira foi o mais perto que cheguei de uma contravenção por causa de figurinhas. Tirante as moedinhas que surrupiava dos bolsos de meu pai para comprar bilocas (bolas de gude), mas aí já é outra história, outra crônica e outro BO.

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