Jornalismo com ética e coragem para mostrar a verdade.

março 3, 2024

Eu e Django

ALEX MEDEIROS – Jornalista e escritor [instragram @alexmedeiros1959] – Texto publicado na TN A sessão contínua do Cinema São José nas tardes-noites de sábado terminava ali pelas 22 horas, horário já tarde para os pré-adolescentes naquele começo de anos 1970.

ALEX MEDEIROS - Jornalista e escritor [instragram @alexmedeiros1959] - Texto publicado na TN


A sessão contínua do Cinema São José nas tardes-noites de sábado terminava ali pelas 22 horas, horário já tarde para os pré-adolescentes naquele começo de anos 1970. Seguíamos um ritual demorado para assistir dois filmes e um capítulo de algum seriado semanal. A gurizada se espalhava pela calçada do beco formado em dobro pela presença do mercado no centro da rua.

Foto: Tribuna do Norte

Horas antes do filme em cartaz, um bazar a céu aberto era feito com troca e venda de revistas em quadrinhos e figurinhas de álbuns ilustrados. Na escuridão da pequena rua congestionada pelas barracas que esperavam o amanhecer da feira de domingo, eu voltava para casa imitando o olhar de Django. Fitava cada lona velha, cada poste, as carroças dos feirantes, como se atrás se escondessem bandoleiros mexicanos.

O cowboy do bang-bang era o ator Franco Nero, um herói que rivalizava em carisma e valentia com os grandes da época nas peles de John Wayne e Clint Eastwood. Os dois americanos tinham mais fãs, mas eu curtia mais o italiano.

No silêncio da noite das Quintas, voltávamos para casa no labirinto de barracas e carroças, no clima de filme de Django a nos banhar os sonhos juventude. Tínhamos aquele olhar azul a penetrar tudo como um tiro certeiro e mortal.

No barulho do forno da padaria a assar o pão de cada dia, havia naquele cenário a canção de Luís Bacalov, “Django, have you always been alone?”. E eu descia a ladeira da minha rua puxando o caixão do cowboy, na fantasia que matava por instantes a dureza da vida.

Ainda hoje assisto quando bate a saudade o filme do diretor Sergio Corbucci. Ninguém jamais agiu como Django, nenhum mocinho foi mais rebelde e invencível. Django tinha pavio curto, não guardava desaforos em seu caixão.

Diante de coisas injustas, tento imitar nos gestos e palavras aquele olhar fuzilador e ao mesmo tempo doce, se dirigindo à bela atriz Loredana Nusciak, mãos estendidas, dizendo “ninguém vai te maltratar enquanto estiver comigo”.

Os filmes com Franco Nero alertaram para o fato de que na vida cotidiana os bandoleiros e pistoleiros nunca dormem, estão sempre na espreita, por trás de alguma barraca de feira ou de uma conveniência qualquer.

Aprendi com Django a fazer justiça com palavras substituindo balas. Não me omito, e por apoiar quem faz justiça com as próprias mãos, sempre me imagino com um revólver reluzente sempre pronto a derrubar hipócritas e canalhas

Os comentários estão desativados.