Jornalismo com ética e coragem para mostrar a verdade.

abril 1, 2024

Era 1º de abril (Dia da mentira); há 43 anos, o alerta era verdade e o açude rompeu

BRUNA TORRES – Jornalista e Escritora – Matéria publicada no Diário do RN em 2023 O 1° de abril, no conhecimento popular, é o dia da mentira, onde boatos e trotes são feitos em alusão à data.

Foto: Wallace Azevedo

BRUNA TORRES - Jornalista e Escritora - Matéria publicada no Diário do RN em 2023

O 1° de abril, no conhecimento popular, é o dia da mentira, onde boatos e trotes são feitos em alusão à data. Neste mesmo dia, em 1981, a telefonista Maria de Fátima alertou às autoridades do município de Santa Cruz, sobre o perigo que estava por vir: chovia muito na vizinha Campo Redondo, e a força e volume das águas levariam a barragem Mãe D’água ao rompimento.

No entanto, o alerta de Maria de Fátima foi emitido justamente no dia da mentira e, por isso, foi inicialmente desacreditado. Para as autoridades, seria uma brincadeira de mau gosto, um trote, uma informação falsa de uma mulher que parecia apenas estar se aproveitando para tirar um sarro dos governantes no dia 1° de abril.

Desesperada e com medo de não ser ouvida, a telefonista reforçou várias vezes que a ligação não se tratava de uma brincadeira típica da data, mas de um alerta real. A insistência, quase um ato de bravura, mudou o rumo da história dos santa-cruzenses, impedindo que uma tragédia ainda maior acontecesse.

Quando Maria de Fátima finalmente foi ouvida, uma grande mobilização foi comandada pelo então prefeito de Santa Cruz, Hildebrando Ferreira, junto ao Monsenhor Raimundo Barbosa com equipes trabalhando para alertar toda a população a sair das zonas de maior risco.

Algumas horas depois, no mesmo dia, as águas que foram em direção ao Rio Trairi destruíram reservatórios por onde passaram, como o de Campo Redondo, que desaguou em Santa Cruz, provocando o rompimento da parede do Açude Santa Cruz.

Um rastro de destruição se espalhou por toda a cidade, deixando cerca de 5 mil desabrigados e 10 pessoas perderam a vida.

Fotos: Tok de História

Na época, Ana Teresa da Penha Gomes, tinha apenas 6 anos e relembra com riqueza de detalhes, aquele dia que marcou sua memória. Hoje, aos 48 anos, a historiadora é uma referência quando o assunto é a maior tragédia de Santa Cruz, um tema bastante aprofundado em seus estudos e vivências: “O dia da enchente é um dia que me marca profundamente como pessoa. Lembro demais de como a cidade ficou e que o mercado público ficou só a estrutura de ferro. Ele tinha sido inaugurado no ano anterior. De todos os destroços, lembro das famílias abrigadas em barracas e também nitidamente, lembro de como era o comércio e de como ficou tudo destroçado no outro dia”.

Foto: Blog Heriberto Rocha

Ana Teresa também lembra que sua já falecida mãe, Maria Margarida da Penha Gomes, abriu as portas da escola que trabalhava, para abrigar pessoas na instituição. Atos de solidariedade como esse se espalharam naquele momento entre os santa-cruzenses, para acolher os milhares de desabrigados que viram seus bens e conquistas de anos de trabalho serem destruídos pela força da chuva e muita lama.

A tragédia teve repercussão nacional e trouxe ao RN o Ministro do Interior, Mário Andreazza, que visitou a cidade junto ao Governador da época, Lavoisier Maia, e outras autoridades, possibilitando a reconstrução e reurbanização da cidade após a destruição.

A HEROÍNA DO AGRESTE

Após o episódio que salvou muitas vidas, a telefonista Maria de Fátima da Silva recebeu uma placa de homenagem da TELERN Telecomunicações, em agradecimento aos serviços prestados ao povo de Santa Cruz e de Campo Redondo. Hoje, aos 63 anos, é professora aposentada, convive com algumas sequelas neurológicas de um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e sob os cuidados da irmã Maria José Ramiro da Silva, 58, também aposentada e de uma auxiliar.

Mas a Heroína do Agreste, como ficou conhecida na região, tem bem guardados todos os detalhes daquele 1º de abril que marcou a história de Santa Cruz e do RN. Nesta quinta-feira (30), não foi possível conversar com Fátima, mas Maria José conta que mesmo diante da atual condição, a irmã ainda recebe visitas e que prontamente conversa com estudantes e jornalistas, relatando os fatos imersa em lembranças que perpassam o tempo: “O psiquiatra disse que a mente dela parou no tempo da enchente, mas Fátima ainda lembra do dia, e contra tudo sorrindo", finaliza.

Os comentários estão desativados.