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maio 5, 2024

Enfim, a Matriz de Nossa Senhora do Ó será tombada; o anúncio foi feito pela governadora

Luís Carlos Freire- Professor e pesquisador da história de Nísia Floresta (Texto e fotos do autor) No dia 27 de abril de 2024 a população de Nísia Floresta foi comunicada que nos próximos dias será oficializado o tombamento da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó.

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Luís Carlos Freire- Professor e pesquisador da história de Nísia Floresta (Texto e fotos do autor)

No dia 27 de abril de 2024 a população de Nísia Floresta foi comunicada que nos próximos dias será oficializado o tombamento da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó. O anúncio foi feito pela governadora, professora Fátima Bezerra, durante as comemorações alusivas aos 60 anos da Campanha da Fraternidade no Brasil, evento ocorrido no átrio da referida matriz, em Nísia Floresta.

O anúncio foi feito pela governadora, professora Fátima Bezerra

Como autor da solicitação do tombamento - junto ao Conselho Estadual de Cultura - CEC, ao IPHAN do Rio Grande do Norte e à Fundação José Augusto - fato testemunhado por todos que acompanham o meu blog e a minha página no Facebook - sinto-me feliz. Não por vaidade, mas pela luta.

Entre protestar e denunciar descaracterizações feitas a essa matriz, vão-se 16 anos. E entre a batalha burocrática e o anúncio do tombamento, são quatro anos. Feliz por saber que, doravante, haverá a certeza de que toda interferência nesse templo, perpassará pela visão cirúrgica de restauradores especialistas (como ocorreu na década de 90, durante a administração do sacerdote João Batista Chaves da Rocha, o único até agora que tratou esse tesouro histórico nesses moldes durante sua administração). 

Igreja Matriz de Nísia Floresta sofreu mudanças no forro do altar mor

Desde quando o citado sacerdote foi transferido de Nísia Floresta para Parnamirim, em 2004, acompanho o que acontece nesse templo, e consegui evitar algumas descaracterizações através de denúncias que fiz ao Ministério Público e diversas instituições como Fundação José Augusto (o arquiteto Paulo Heider que o diga) e, infelizmente, não consegui evitar outras devido a fatores culturais de alguns que não compreendem a importância de se restaurar.

É uma fator educacional/cultural, inclusive há uns três anos, sugeri que a Arquidiocese de Natal criasse uma disciplina sobre Patrimônio Histórico e Memória na formação dos sacerdotes, pois isso evitaria uma frase que ouvi de Heider, respeitável arquiteto da Fundação José Augusto, no início da minha luta (2004): “Não são os fiéis que descaracterizam as igrejas históricas, são os padres”. Obviamente que há exceções, como o sacerdote acima citado, mas contam-se nos dedos.

Boa parte das pessoas prefere o moderno: vidro fumê, inox, MDF etc, azulejos, cerâmicas, pastilhas. Entendem que uma restauração dá muito trabalho. E não é verdade. Quem administra um prédio de quase 300 anos, como esse, tem por obrigação saber que não é o seu gosto pessoal ou dos fiéis, mas o gosto da proposta original do prédio, evitando, no máximo, mudanças, exceto em caso de adaptações para acesso de pessoas com alguma deficiência ou idosos.

Reforma e restauração devem ser planejadas com antecedência, perpassando pelo apoio dos poderes municipal, estadual e federal, bem como patrocínios oriundos da iniciativa privada.

Em 1991, a escritora Socorro Trindade escreveu uma página inteira no jornal O Poti/Natal/RN. Ela denunciou o fato, falou sobre a sua infância e a história da referida matriz. O padre João Batista assumiu, logo em seguida, e teve um olhar cirúrgico e respeitoso, envolvendo especialistas em museologia e restauração do RN e do Pernambuco.

A história todos sabem. Nessa sua odisseia em prol da restauração, enfrentou alguns opositores que queriam descaracterizar todo o templo, com inserções absurdas, mas ele não cedeu. Não era para existir isso, pois é a ignorância versus respeito ao patrimônio histórico. 

O que nos resta, doravante, é aguardar que, no futuro, quando for encetada uma nova restauração, essa Matriz esteja administrada por um padre com a mesma visão do padre João Batista, respeitando a História e a Arquitetura originais, bem como a sua aura de memórias dos nativos. E que seja refeito o forro do altar mor e outras descaracterizações, pois o padre anterior ao atual, descaracterizou esse forro, destruindo a proposta barroca e aprontou uma série de atos totalmente inadmissíveis, pintando uma peça de prata maciça, do século XVIII, com tinta a óleo dourada, expondo imagens de madeira, de mais de duzentos anos, em locais insalubres, tendo algumas delas rachado.

Outra imagem - que já não deveria mais sair da Matriz -, levou uma abalroada de uma árvore em cima de um caminhão, durante uma procissão, e quase virou pó. Um relicário, de ouro maciço, ficou exposto a sol, chuva e relento, na torre da matriz, para “espantar” o Covid-19. Uma imagem de quase 300 anos teve os dedos quebrados por manuseio sem o devido cuidado e outras anomalias.

Nunca fui contra a reforma, afinal se não reformarem, ela desaba. Fui contra terem ignorado o aspecto de restauração. Gosto de divulgar fatos dessa natureza para que as crianças e os jovens se inspirem. A sociedade precisa participar, e nós, enquanto cidadãos (independentes de sermos membros de qualquer instituição), podemos fazer o que fiz. Hoje fui o autor do pedido de tombamento da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, amanhã será a criança ou o adolescente que ora lê este texto e na condição de um homem adulto, cuidará de outros espaços históricos.

Há trinta anos - infelizmente -, os próprios nisiaflorestenses pouco sabiam sobre a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó (sobre os padres que a administraram, sobre detalhes curiosos dessa igreja), sobre a História da intelectual Nísia Floresta e sobre a história do próprio município. Sabiam apenas o básico.

Em 1992 passei a pesquisar e escrever textos sobre tudo o que dizia respeito a esse município. Produzi o mais completo estudo sobre essa igreja ao longo desses 30 anos. Não foi fácil, pois, antes de mim, não houve quem tivesse levantado  estudos substanciais e os compilado, exceto dados básicos sobre alguns tópicos. Não havia nada impresso nem on line.

Há 15 anos (2009), com o advento das redes sociais, criei um blog e lancei ali a maioria das pesquisas que fiz (reservando-me ao direito de guardar apenas alguns dados inéditos, tendo em vista a pretensão de publicar alguns opúsculos, futuramente, mas sempre pratiquei a generosidade intelectual).

A vasta pesquisa sobre a Igreja Matriz, feita por mim, entregue, protocolada, ao Conselho Estadual de Cultura, junto ao documento de solicitação de tombamento, tem grande legitimidade nesse desfecho, tendo em vista a necessidade de se ter amplas informações históricas sobre o templo.

Esse tombamento é fruto de uma longa história e, infelizmente, da luta contra alguns interesses escusos, e quem me acompanha há 30 anos, sabe os detalhes. Agradeço a todas as pessoas que, iguais a mim, se revoltaram com as barbaridades acima citadas sobre a descaracterização da Matriz e me pediram ajuda. Eis o reflexo dessa luta. A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó será tombada!

Professor, Luís Carlos Freire - pesquisador e autor do pedido de tombamento da Igreja Matriz de Nossa Senhor do Ó, de Nísia Floresta/RN

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