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dezembro 10, 2023

É tarde

Val da Costa – Jornalista e Escritora No cair da noite, chegamos a tempo de aparar recordações.

Val da Costa - Jornalista e Escritora

No cair da noite, chegamos a tempo de aparar recordações. Anuns-pretos, bem-te-vis e gaivotas nos saúdam com um belo pôr do sol.

Cheiros de terra, de água e de peixe se revezam, entram e saem das narinas…mas nos tocam mesmo nas lembranças.

Os cheiros disputam espaço com uma leve brisa, quase úmida, quase perfumada, daquele aroma de alfazema selvagem.

Tudo é tão saudado e comemorado aqui dentro de mim!

Os garranchos de algaroba, os paus do pereiro, os espinhos dos cardeiros, as coroas rosas de frades são moradas ou repousos dos pássaros.

Onde foi minha morada, hoje só o oco do mundo habita. Talvez por isso são tantas aves, tantas asas revoando em minhas memórias.

Um silêncio eterno alicerça esse nada pregado nos restos de parede.

E uma forte presença das cenas da infância na bifurcada memória.

As lembranças fugindo, se esvaindo, esmaecendo por entre meus dedos, meus medos de aranha... como fui pequena e vi essa casa enorme, com paredes, torres e calabouços cheios de almas penadas!

Nas tardes que a visito, minha antiga morada, aparenta ser tarde pro seu existir.

A gente nem sabe se volta um dia. Mas quando volta, a gente sente: É tarde.

Para um saudosismo crepuscular

Uma resposta para “É tarde”

  1. Didi Avelino disse:

    Texto lindíssimo ! Extraído do mais íntimo de alguém que tem a sensibilidade de contemplar a vida como uma obra em eterna construção.
    Parabéns, Val da Costa.