Duas coleções – Lamparinas e Brinquedos artesanais
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós graduado em Educação Ambiental e folclorista.
Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Pós graduado em Educação Ambiental e folclorista.
LAMPARINAS E LUMINÁRIAS POPULARES
As lamparinas, candeeiros e outros tipos de luminárias são lustres que, antigamente, eram utilizados para iluminar continuamente os ambientes das casas e, ainda hoje, sobrevivem em regiões ainda não beneficiadas com energia elétrica ou em ambientes que já vem utilizando essa antiga fonte de luz popular e artesanal.
São apetrechos tradicionais, muitos de rara beleza, apresentam variados formatos, podendo ser suspensos ou possuir pé. São feitos de vários tipos de materiais, como flandres, zinco, cobre ou alumínio. Os artesãos ou artesãs são conhecidos como funileiras.
As peças eram artesanalmente confeccionadas, feitas de latas velhas, utilizadas como óleo ou doce. Essas estão atualmente mais presentes nas residências como objetos decorativos e coleções de raros colecionadores, como eu. Podemos ainda encontrá-las nas feiras e mercados, embora com pequena comercialização e procura. Em nosso acervo existem centenas delas com os mais variados modelos e tamanhos.
Lembro agora da saudosa artesã dona “Joaninha de Pipiu”, a qual tanto fazia lamparinas, como canecos e ainda consertava panelas ou baldes furadas, percorrendo de porta em porta as ruas de Pendências e nos últimos anos da sua vida, em Natal. Chegava na casa de minha mãe, sentava-se no chão da calçada e começava a trabalhar com sua tesoura e outros apetrechos. De repente, tinha uma lamparina para vender ou conserto das panelas furadas de dona Estela. Dona Joaninha era uma antiga beata do padre Zé Luiz (1928-1991) e foi ilustremente citada em crônica no seu famoso livro sobre o nosso finado Café São Luiz, da Cidade Alta, (1982).
BRINQUEDOS POPULARES
Os nossos antepassados já brincavam com o que dispunha ao seu redor. Nas antigas cavernas existem desenhos representativos de brincadeiras. Os índios se divertem desde pequenos e os negros escravos que aqui vieram forçados, também tinham as suas formas de brincar e dançar em meio aos seus sofrimentos e trabalhos forçados. Dançar, cantar e brincar é inerente ao ser humano. Mas, não se sabe precisar em que época surgiu os brinquedos populares. Sabe-se apenas que eles apareceram em todas as sociedades desde as mais remotas épocas. O rico com o industrial e o pobre com seu artesanal.
No contexto folclórico, o brinquedo popular é peça fundamental para o desenvolvimento intelectual e coordenação motora da criança. Caracterizado como produto artesanal, o brinquedo age de forma interativa no mundo de fantasias das crianças, aproximando-a da realidade social em que vive, desenvolvendo experiências internas e externas ao seu mundo, promovendo melhores resultados na aprendizagem de seu cotidiano.
Com o advento da revolução industrial, o brinquedo popular sofreu grandes modificações tecnológicas. Diminuiu a demanda artesanal e a sociedade passou a consumir os brinquedos industrializados, com novas formas e roupagens que fugiram da realidade social das crianças de classe média e baixa. Tudo de plástico sem a ludicidade no fazer de antigamente por nós próprios. Todo menino tinha a sua oficina para fazer os carrinhos e as meninas, as suas casinhas e bonecas de pano de sobras de velhas chitas...
A minha experiência pessoal de menino pobre se deu com a confecção dos meus próprios brinquedos, enquanto que amigos iam às lojas e voltavam com peças industrializadas e de marcas famosas. É necessário ressaltar que essa diferença de origem dos brinquedos nunca interferiu na fraternidade infantil das calçadas. Pobre, mas feliz, na concepção do genial e saudoso Ataulfo Alves.
Brinquei com tudo: bola de meia, biloca, curral de osso, carro de lata de ‘Óleo Benedito’, pião, vaquinha de barro, roi-roi, pião de madeira, peteca, cavalo de cabo de vassoura e tantos outros apetrechos inventados pela fértil imaginação, própria dessa tenra idade, ou comprados na porta de minha casa na feira do Alecrim de Natal.
A brincadeira era libertação total, mas havia brigas e aí entrava a miserável da palmatória de madeira grossa algumas vezes. A lá de casa ganhou até apelido de ‘Maria Chiquinha’. Não sei que fim levou a maldita, mas depois mandei um marceneiro confeccionar uma apenas para mostrar aos visitantes de meu bagunçado museu. Apenas a pura lembrança de seus doídos bolos, dados em cada mão pelo severo Geraldo Costa, meu pai: “Comeu do meu pirão, levou do meu cinturão!”.
Tive a iniciativa de guardar alguns desses brinquedos e, hoje, servem para relembrar a mim e a tantos outros saudosos a infância feliz que tivemos, bem como para mostrar as crianças dessa época virtual e eletrônica um tempo de vivência lúdica diferente do globalizado Século XXI.
Tudo que ainda tenho, adquiri em feiras e mercados retratando as minhas brincadeiras infantis de menino pobre da feira do Alecrim. Até o cavalo feito de talo de carnaubeira que era usado para correr e fazer poeira quixotescamente em minhas férias escolares lá em Pendências, terra de minha mãe e de meus avôs maternos.
Há quatro anos, venho expondo essas duas coleções, a de lamparinas e de brinquedos artesanais, nas dependências do espaço de memória e biblioteca ‘Dona Maria Estela’. São muito fotografadas e admiradas pelos visitantes.
E o nosso folclore infantil que estuda os brinquedos populares artesanais, já foi devidamente estudado pelo saudoso amigo e mestre folclorista potiguar Veríssimo de Melo (1921-1996), autor da excelente obra “Folclore Infantil”, de 1965, em várias edições e esgotadas. Lembramos ainda rapidamente aqui que o mestre ‘Vivi’ estará completando centenário de seu nascimento no próximo ano. E o nosso esquecido RN não pode deixar de homenageá-lo, principalmente seu chão, cidade do Natal.
A nossa Comissão Norte-Riograndense de Folclore encabeçará uma série de debates e outras formas de homenagens alusivas ao referido mestre. Embora póstumas, mas justas e merecidas a quem trabalhou pelo engrandecimento da nossa cultura popular e, especificamente, ao nosso folclore infantil.
(Morada São Saruê, Morrinhos, Nísia Floresta/RN)
Riquíssima a nossa cultura. Pena que perde espaço para a sociedade virtual e industrializada, quebrando o elo a criatividade manual/artesanal infantil.
Parabéns, Gutemberg, por mais um resgate da rica História do Nordeste. Tive a honra e o privilégio de viver a realidade dos dois temas. Muito obrigado pelo prazer desta leitura.
César Barbosa.🌵
Cidade do Natal (RN), 25 de outubro de 2020 – na quarentena.
Lembranças que são lembradas nunca serão esquecidas…
Ainda mais advinda de gente que viveu e vive!!! Recordar é viver..