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agosto 9, 2020

Crônicas do domingo

 Marcas comerciais que me marcam Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Folclorista e escritor.

 Marcas comerciais que me marcam

Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Folclorista e escritor.

Minhas filhas me acusam de ser um eterno saudosista. E confesso, elas têm total razão. Fazer o quê quando se chega a mais de sessenta de vivências com uma memória ainda puxando coisas desde os três anos. Só paciência na causa! As imagens estão tão claras, como os filmes nas velhas telas dos saudosos cinemas ‘São Luiz’, do bairro do Alecrim e ‘Rose’ de Pendências. Muita gente até mais idosa vem me consultar o passado. Tempos inesquecíveis com muitas marcas feito tatuagem no coração!

Sinto o cheiro da ‘Maisena’ e o gosto das antigas papas. A ‘Arroizina’ para os mingaus preparados por dona Estela e depois por minhas duas irmãs, Socorro e Gracinha, para meus sobrinhos. Nem precisa dizer que eu brigava pela sobra do papeiro. O cuscuz era cozido em um prato e abafado com um pano. Depois de colocado na mesa o mesmo era ensopado com o leite de coco. Nem cachorro comia porque não sobrava. Gatos e cachorros nem sonhavam com rações. Lá em casa eram sete pares de queixos batendo três vezes ao dia. O pão da padaria ‘Cial’ de Osmundo Faria, da Alexandrino de Alencar era artigo de luxo. Na diária, reinavam a batata, macaxeira ou banana cozida, chamada ‘Chifre de boi’.  A Canela em pó’ não podia faltar para dar gosto no que minha saudosa mãe preparava. O óleo era marca ‘Benedito’, ilustrada com um negro cozinheiro a caráter para a época. Meu ‘Nescau’ que era muito escasso, me trazia soldadinhos ou índios de plásticos dentro das latas. Alguém pode até não acreditar, mas ainda guardo alguns desses brinquedos que vinham em alguns produtos como brindes daquele tempo. Heranças para meu neto João Rafael!

Seguindo os conselhos do ‘Jeca Tatuzinho’, tinha que andar limpo e asseado. De vez em quando tomava ‘Biotônico Fontoura’ e ‘Emulsão de Escott’ com um homem de chapéu carregando um grande peixe nas costas. Tudo comprado nas farmácias ‘Dutra’ ou ‘Coelho’, lá do meu Alecrim. Papai era dono de um caminhão velho ‘Chevrolet’. Meu rico avô materno, além de vários carros tinha uma ‘Veraneio’’, cor verde. Gilson, meu irmão mais velho, tinha uma ‘DKW – VEMAG’, também de cor verde. Carro preto só da funerária.

Fiquei até mais orgulhoso diante dos amigos, quando recebi de minha cunhada Kilde um grande gravador tipo toca fitas vindo de Manaus. Quando faltava dinheiro para comprar as pilhas ‘Rayovac’, usava mesmo na energia. E o tal som ambulante, não dava descanso ao Tim Maia e Raul Seixas.

Depois de concursado em datilografia é que comprei minha primeira máquina de escrever ‘Remington’. Na verdade, catava milho e continuo ainda hoje no meu notebook marca ‘Lenovo’. E aquela velha máquina tinha um barulho ensurdecedor, mas inesquecível! Guardo duas delas com muito carinho.

Comecei trabalhar aos 14 anos no Centro Comercial do Alecrim, com o patrão que se tornou um pai Sebastião Penha, contador. Sua esposa dona Neide até me levava para sua casa aos sábados e domingos. Ganhava meus extras, comprando cervejas ‘Brahma’ e ‘Antártica’ ou cigarros ‘Continental’ ou ‘Hollywood’ para atender a boemia visitante. Com dinheiro farto no bolso, comecei a esnobar com calças compridas ‘Far-West’ ou aquelas tipo ‘Boca de Sino’. Camisas ‘Volta ao Mundo’ e sapatos de borracha marca ‘Cavalo de Aço’. Adeus ao velho e odiado ‘Vulcabrás’. A tintura azul em tubo ‘Guarany’ milagrosamente deixava minhas velhas calças novas.

E já que falei do milagre da transformação das roupas desbotadas digo que a santa era mesmo a dona Estela, minha mãe. Ela, para arrumar bem seus filhos, só não fazia chover. Bancou sozinha a minha primeira comunhão na Igreja de São Pedro, do Alecrim, graças ao jogo do bicho. Deu coelho na cabeça e alegria no menino do Grupo Escolar Professor Clementino Câmara. Que maldade, aquele meu querido chão foi demolido! É difícil acreditar que quase tudo de prédios vistos na minha infância só existem hoje em fotografias de filmes ‘Kodak’.

E para fazer inveja ao meu amigo memorialista Walter Medeiros, eu vou declarar que ainda guardo muitas revistas compradas na calçada do cinema São Luiz da Avenida 2. Revistas em quadrinhos, onde os heróis matavam os pobres índios. A matança indígena era grande nas telas dos cinemas ‘REX’ e ‘Rio Grande’, da Cidade Alta. A vida mudou e os considerados heróis daquele passado, são os bandidos de nossos netos. Ainda bem! Naquele tempo só Roberto Carlos podia mandar todo mundo para o inferno. Era o auge dos militares. Tive que esconder muito as revistas ‘Ele Ela’, com mulheres de biquines na capas.

 Meu tio Armando quando vinha de Pendências para Natal era eu o menino comprador de suas brilhantinas do ‘Zezé’ ou ‘Glostora’. O pirulito de chocolate da ‘Kibom’ no esquecimento de dar as namoradas, voltavam grudados nos nossos bolsos. Ainda assisti o repórter ‘Esso’ na televisão ‘RQ’, comprada em suaves 12 prestações das ‘Casas Régio’. Nessa leva, lembro Jota Silvestre, Blota Júnior e o chato do Flávio Cavalcante tirando os óculos e dizendo pra câmera: “um instante para os comerciais”. Divertidos e debochados eram Chacrinha, Jucá Chaves, Ary Fontoura e Costinha, além da pornográfica Dercy Gonçalves. Não tenho como esquecer as boas novelas da ‘TV Tupy’. Eu ainda tinha que comprar figurinhas dos artistas para meu álbum de coleção. Em uma feira de antiguidades do Rio de Janeiro, repus algumas estampas vindas do sabonete ‘Eucalol’ as minhas tralhas. O perfume ‘artimatic’ era caro, mas durava três dias nas vestimentas. Minha mãe cheirava talco ‘Cashmere Bouquet’ e ‘Água de Colônia’ da mesma marca. E passava sempre seu pó ‘Compacto’ no rosto e esmalte ‘Colorama’ róseo nos dedos das mãos, antes de sair de casa. Juro que qualquer dia vou achar as antigas carteiras de cigarros, que a gente chamava de ‘dinheiro’. Socorrei-me São Longuinho! Tenho guardado a sete chaves duas fichas, uma de orelhão e a outra das radiolas de cabarés. Caiu a sua ficha meu caro leitor ou leitora? Era a gíria de então...

Nunca acertei os 13 pontos da ‘Loteria’ e nem muito menos a milhar da banca de seu ‘Domício’. Saudades da fumaça do ‘Café Vencedor’. Hoje não saio de casa sem meu pente, espelho redondinho, caneta e lenço de pano no bolso. Podem até achar que sou doido, mas vivo muito feliz e embarco na ‘Bicuda’ ainda ouvindo o cobrador dizer em alto e bom som com as notas da Princesa Isabel entre os dedos: Rocas, Alecrim, Quintas via Bom Pastor...

Amigos de infância

Elza Jerônimo

Nadja Lira – Jornalista – Pedagoga - Filósofa

A presença dos amigos é algo de extrema importância no desenvolvimento de uma criança, fora do seio familiar. É através dos amigos, especialmente na fase escolar, que as crianças começam a esquecer seu egoísmo peculiar, começam a perceber que elas não são as únicas a merecer atenção dos adultos e também passam a perceber a importância de dividir, compartilhar e

É justamente através dos amiguinhos da escola, que uma criança dá seus primeiros passos rumo aos novos contatos sociais, desenvolvendo habilidades que irão acompanhá-las pelo resto de suas vidas. O relacionamento com os amigos permite que a criança desenvolva sua capacidade de conviver, compartilhar, respeitar e amar àqueles que, embora não pertencendo ao seu meio familiar, vão conviver de forma harmônica com ela, por um longo período de suas vidas.

Lembro-me de que na minha época de criança, por ser muito tímida, eu tinha poucos amigos. Mas, é natural que nesse período, toda criança tenha o seu melhor amigo e, para não fugir à regra, eu também tinha a minha melhor amiga que se chamava Elza Jerônimo.

Elza era uma menina esperta, falante, e por ser completamente desinibida, a minha timidez passava despercebida, porque devido à facilidade de liderança que lhe era natural, eu acabava participando do grupo que ela formava. Como é natural nessa época de nossas vidas, nós dividíamos tudo. Especialmente o tempo das brincadeiras e o lanche.

Não morávamos perto uma da outra, mas isto não se constituía em um problema, porque a gente sempre dava um jeito de estudarmos juntas, na hora de realizar as tarefas propostas pela professora. Ela era muito boa em Matemática, disciplina na qual sempre fui péssima, e ela me ajudava muito com a matéria. Sempre fui mais afeita ao mundo das letras.

Elza era uma excelente amiga e graças ao nosso entrosamento, nossas famílias acabaram por se tornar amigas também, E assim, era natural para nossas mães receber uma ou outra em suas casas para um almoço de domingo ou para comemorar uma data especial.

Mas, como nada é perfeito, a minha amiguinha tinha um grande defeito aos meus olhos: Ela era encrencreira demais. Ela o tipo de pessoa que não leva desaforo para casa e por qualquer coisa arranjava uma confusão. Eu, medrosa demais, me esquivava e evitava o quanto podia me envolver em confusões, mas ela, sem qualquer temor, enfrentava as situações por mais difíceis que fossem.

Certo dia tivemos um desentendimento, durante uma brincadeira na hora do recreio. Nós estudávamos no Grupo Escolar Capitão José da Penha, onde era normal pular corda no intervalo entre as aulas. Neste dia, eu levei a corda, e um grupo de meninas fazia fila para entrar na brincadeira.

Em dado momento, não sei por qual razão, Elza simplesmente se aborreceu e quis tomar a minha corda de modo que uma confusão se formou entre nós. Eu puxava a corda de um lado e ela puxava do outro. Foi então que a ouvi dizer: “Vou deixá-la puxar a corda e então solto minha ponta. Quero ver ela virar a perna com a queda que vai levar”. Ela então puxou a corda com força e eu soltei a ponta que segurava, para fazê-la provar seu próprio veneno. A queda que ela levou foi bonita, mas ela ficou uma fera comigo e nossa amizade entrou em choque.

Ficamos por vários dias sem comunicação, o que deixou nossas mães muito preocupadas. Mas nenhuma das duas queria dar o primeiro passo para desfazer o mal-entendido. A gente devia ter uns 10 anos de idade nesta época. Então, certo dia, engolindo o meu orgulho, me aproximei dela para falarmos sobre a situação. Ela, porém, respondeu de maneira surpreendente: “Se você tiver vergonha, nunca mais fale comigo”. Eu fiquei profundamente magoada e envergonhada, porque estávamos em um grupo, e disse simplesmente: “Está certo”. Saí dali e nunca mais lhe dirigi a palavra, provando dessa maneira que eu tenho vergonha, sim.

Os anos se passaram e apesar da intervenção de nossas mães, nós jamais voltamos a trocar uma única palavra. Iniciamos nossos estudos no Fundamental II, no Colégio João XXIII, onde participávamos do Clube de Jovens, nos encontrávamos com frequência nos corredores da escola, porém, jamais trocamos uma palavra.

Anos mais tarde entramos na Universidade. Ela formou-se em Contabilidade, eu em Jornalismo e nossos caminhos se separam definitivamente. Soube que ela havia casado com um dos rapazes que estudou com a gente, teve duas filhas, mas o tempo se encarregou de desviar nossos caminhos, de forma que hoje já não sei mais nada sobre ela.

Sobre a amizade, o escritor Milan Kundera afirmou em seu livro Identidade: “A amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu”. Eu concordo com a afirmação do escritor. Os amigos, especialmente aqueles com os quais convivemos na infância, são testemunhas da nossa história e tudo o que vivemos com estes amigos, contribui para dar forma à nossa personalidade.

Elza talvez não saiba, mas ela foi e sempre será uma pessoa muito especial na minha vida, porque sua presença ajudou no desenvolvimento das minhas qualidades morais. Onde você estiver, amiga, receba meu abraço e meu agradecimento por colaborar com a integridade do meu eu.(NL 03/08/2020)

Ô saudade da gota (2)

Rosemilton Silva - Jornalista

E nossas lembranças no levam bem cedinho a possibilidade de sentir o cheiro do bolo pé de moleque, de milho ou de macaxeira. Uma panela fumegando com o milho moído depois de passar a noite “dormindo” na água para dar o cuscuz do café que alguns preferem comer molhando na graxa da carne de carneiro cozida. Dá pra sentir o sabor de um queijinho de coalho ou de manteiga feito em casa mesmo, com o leite que foi deixado na porta logo cedo e que também vai dar a coalhada para ser adoçada com rapadura.

Remoendo os pensamentos dá prá sentir o odor gostoso da piaba sendo fritada na manteiga de garrafa enquanto a farinha vai sendo adicionada aos poucos. Ou, quem sabe, um picado, uma buchada de bode ou de carneiro sendo torrada com um quinhão de feijão verde para ser comido fazendo “oncinha” ou “macaco” feito pela mão com o maior esmero embora nem seja para ficar bonito. Aqueles que adoram algo mais picante ainda tomam um caldo de feijão misturado a quatro ou cinco pimentas malagueta machucadas no prato pela colher.

Navegando nos sonhos “lembrancistas” nos chegam as sobremesas ou os lanches de puxa-puxa, sonho de noiva, quebra queijo, poli, algodão doce, pipoca molhada no mel de engenho com farinha de amendoim ou de caju. E tudo isso, claro, regado a falar sobre a vida alheia que ninguém se livra de ser falado também.

Quem pode esquecer o gosto do sorvete cremoso feito da fruta naquele mesmo dia ou um cachorro quente de carne picada com cobertura de pequeninos pedaços de cebola e tomate verde? A conversa animada entre um gole e outro de refrigerante ou de cerveja e, de vez em quando, uma “lapada” de cachaça de primeira cabeçada. Ah, como é difícil esquecer as “soirées” no clube com a radiola ABC montada numa bela caixa de madeira? Ou uma serenata com uma radiola portátil tocando as “12 Mais” com aquela capa psicodélica enchendo a noite com rocks, baladas ou então com boleros de cantores famosos brasileiros e internacionais? Mas nada substitui um bom “pinho” com uma voz marcante da cidade embalando os sonhos das meninas e, claro, enchendo a paciência dos mais idosos que não suportam esse tipo de manifestação, mas damos graças a Deus porque nem todos são assim.

Como não ter na mente a difusora do parque de diversões com suas mensagens de oferecimentos musicais melosas para embalar o início de um namoro ou para denunciar uma paixão “arricuída” que não desabrochou e nem vai adiante. E vagando por nossas lembranças, acode um pensamento vívido, real recordando aquela cestinha enfeitada com papel crepon cheinha de castanha de caju vendida nos festejos natalinos e, quando sobrava um dinheirinho, era acompanhada por um guaraná Champagne também servido quando a gente caía doente tendo como companheiro a bolacha Maria. Ah, me diga aí: quem não ficou doente para poder ter a regalia de não ir a escola e se deliciar com a aquela dupla imbatível?

Aí que saudade da novela no rádio durante a parte da manhã – O direito de nascer – e a noite – Jerônimo, o herói do sertão. Mas nada se compara ao escurinho do cinema onde muitos sequer viam a película por melhor que fosse. Das ofertas musicais no rádio dando os parabéns e dos recados enviados na hora do almoço.

E o futebol no rádio, com aquela vibração de locutores famosos do sul do país colocando a gente dentro do Maracanã, do São Januário, do General Severiano no Rio de Janeiro e do Palestra Itália e Vila Belmiro em São Paulo, e mais próximo de nós, o Juvenal Lamartine em Natal. É, lamento contradizer o que disse o poeta e o que eu mesmo disse: a saudade não mata a gente, mas deixa uma dorzinha doída, chorosa...

                 Bom, vou aproveitar pra ir ali no mercado comprar um cocorote no local de dona Chiu, uma solda preta em dona Maria do Carmo, uma latinha de choriço em Maria Madalena e ver se Zé Nadir já está com sua tábua cheinha de pirulito.

Uma resposta para “Crônicas do domingo”

  1. Crisolita THE Bonifacio disse:

    Como é gostosa a nostalgia que nos remete a tantas lembranças! Os três, com suas narrativas me levaram às minhas lembranças, também, e muito me emocionaram.