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junho 21, 2020

Crônica do Domingo

 Lembranças de alguns Mercados de Natal Gutenberg Costa  (Pedagogo, Bacharel em Direito, escritor e folclorista)             Sabe-se historicamente, que as criações dos mercados no Brasil, seguiu-se aos moldes dos já existentes em Portugal para atender comercialmente as populações das nossas maiores cidades.

 Lembranças de alguns Mercados de Natal

Gutenberg Costa  (Pedagogo, Bacharel em Direito, escritor e folclorista)

            Sabe-se historicamente, que as criações dos mercados no Brasil, seguiu-se aos moldes dos já existentes em Portugal para atender comercialmente as populações das nossas maiores cidades. Alguns prédios ainda estão preservados e muitos foram demolidos pela omissão e descaso de certos governantes do passado. A primeira coisa que faço quando chego a uma localidade é saber se o seu mercado ainda está preservado. Destes, sempre trago lembranças e causos. Vou começar por minha cidade, Natal/RN, onde muita coisa histórica que vi já foi demolida criminosamente em nome da tal modernidade. Perdão turista visitante!

            Guardo poucas lembranças das minhas idas ao ‘finado’ mercado da Cidade Alta. Entrava ali quase as pressas, puxado pela mão da saudosa dona Maria Estela. E o que não se desgrudou ainda da minha memória, foi à grandiosa fumaça de seu incêndio nos anos 60. Das Rocas a Igapó, o céu ficou cinzento. Restou-nos um moderno Banco do Brasil e o eterno boato de incendiário ao então prefeito da época, Agnelo Alves, (1932-2015). Apesar do sinistro, sempre riamos quando a recordação caia no fato de que meu irmão Gilberto Costa, estava contratado para trabalhar numa sapataria do cujo mercado, no dia, em que o mesmo ainda ardia em fogo. E como diz o povo, sobre os azares: além de queda, coice!

            Fui crescendo e ajudando a segurar as sacolas de minha genitora pelo velho e também finado mercado do Alecrim, que ficava nas proximidades da Praça Gentil Ferreira, no Alecrim. Saudades do cheiro de café e das frutas de época. Dos balaeiros, carroceiros, gritos de pregões dos vendedores e dos jumentos com suas cangalhas. Hoje, as motos substituem os jumentos e os carros de mão, os antigos balaeiros... Eram homens fortes com rodilhas nas cabeças, para amenizar o peso do balaio. Lembro-me do conselho de economia e equilíbrio na vida de ‘seu’ Geraldo Costa, meu pai: “Só pegue na rodilha, se puder com o peso do pote!”. Tudo coisa de museu para meus netos. Depois com liberdade e dinheiro no bolso, passei a frequentar o novo mercado da Av. 6. Ali já comprei de tudo e como exemplo aqui confesso: correia de couro para máquina de costura e cipó de brocha. Não faz muito tempo, de lá trouxe para Nísia Floresta, uma quartinha e um abanador para fogão de lenha. E só não se encontra em mercados o que não existe nessa terra. A mais recente visita por lá foi em fevereiro, para provar da sua belíssima gastronomia. Na barraca de dona Fátima, viúva de Bigode, se come um delicioso carneiro torrado, com feijão verde e macaxeira. Se a mesma não tiver eu corro para o ponto de dona Deise. Tudo simples e natural como a inesquecível panela de minha mãe. Meu depoimento ao documentário do amigo e cineasta Paulo Laguardia, sobre o Bairro do Alecrim do meu tempo, foi lá, logo cedo tomando café com cuscuz. Teria sido falso as minhas origens, se acaso tivesse escolhido um restaurante luxuoso da Via Costeira.

Em outra oportunidade, fui convidado pela TV Ponta Negra, para uma entrevista em um local escolhido por mim e a então apresentadora, espantou-se com meu desejo. Vamos ao mercado da Redinha, no ponto de dona Nice, filha e mantedora da tradição de seus genitores, Geraldo Preto e Dalila. Foi dona Dalila, (1921-1990), que inventou a saborosa dupla: ginga com tapioca. E por último, não posso esquecer o mercado de Petrópolis. Os santos remédios de outra Dalila, que curavam as ressacas natalenses. Mocotó ou rabada com cuscuz.  Por ali sempre retorno, para rever os amigos e amigas, sebistas, Vera Torres, Antônio Lisboa e Oreny Júnior. A confraria do Gilmar e os amigos artistas plásticos e artesões, que sempre estão de plantão por lá. Das mãos e pincéis do irrequieto artista plástico e ator Arruda Sales, (1955-2019), que ali teve seu atelier, eu adquiri alguns trabalhos e que hoje estão nas paredes de minha casa, na terra do Camarão e do Baobá.

            Outros detalhes e sobre outros mercados, eu já rememorei no meu recente Breviário Etílico, Gastronômico e Sentimental da Cidade do Natal, (2019), que já se encontra esgotado. Como se vê, os mercados e seu mundo estão impregnados em minha sessentona memória. E quem não os têm, no coração e na cachola, com certeza, não viveu tempos felizes!

5 respostas para “Crônica do Domingo”

  1. José Maria (Béco) disse:

    Texto escorreito…que nos leva a tempos de céu límpido da infância; cheio de cores, aromas e sabores…- um rio de palavras adjetivadas que enriquecem detalhes, constroem painéis em nossa memória, tras do passado o perfume, a lembrança de nossos queridos pais…

  2. Antonio do Amaral disse:

    O teu texto possibilitou fazer uma recapitulação dos mercados das cidades em que vivi os meus 67 anos. Parabéns, Gutenberg.

  3. Francisco Queiroz disse:

    Execelentes relatos das memórias impregnadas na alma de quem viveu bons momentos contruindo narrativas de preservação da cultura e do folclore de sua gente. Parabéns amigo!

  4. Francisco de Assis Medeiros disse:

    Muito bom primo é um prazer se deliciar da sua prosa.

  5. Joiran Medeiros da Silva disse:

    Sua crônica revela a história de Natal. Importante registro para estudantes e pesquisadores.