CHOVE, CHUVA

junho 25, 2023

Nilo Emerenciano  – Arquiteto e escritor  O fim de semana chuvoso sugeriu casa, cama, cobertor, livro e TV além de algumas divagações.

Nilo Emerenciano  - Arquiteto e escritor 

O fim de semana chuvoso sugeriu casa, cama, cobertor, livro e TV além de algumas divagações. Divagações, aliás, provocadas por um antigo filme de Copolla meio besta, mas divertido, chamado Peggy Sue, seu Passado a Espera. Nicolas Cage, que ainda não tinha se tornado o canastrão de hoje, e Kathleen Turner encabeçam o elenco. Uma quarentona em crise com o marido, desmaia em uma festa e volta ao passado, com chances de um novo começo.  

Fiquei a imaginar quantas coisas vieram e desapareceram ao longo dos anos sem que a gente percebesse. Entram e saem do nosso cotidiano e hábitos de forma sutil. Por exemplo, nos anos 1970 em toda festa decente, casamento, aniversário, batizado, o que fosse, era posto na mesa um abacaxi descascado repleto de palitinhos espetados com pedaços de salsicha, queijo e pimentão. As crianças não saiam de perto. Depois foi o tempo do salpicão. Havia também a onda das bebidas. Leite de onça, quem lembra? Uma mistura de leite moça com alguma bebida alcoólica para os adolescentes descontraírem. Depois veio a moda do cuba-libre, ou seja, rum com Coca-Cola. A rapaziada bebia antes e durante os bailes, no ABC, ao som do ótimo Impacto-5, que tocava Santana superbem.  

E as roupas? Nem gosto de lembrar as besteiras que vesti. Calças cor-de-rosa, acreditem, já estiveram na onda, além de umas calças com listras largas verticais e boca de sino. Que horror. Mas a gente não achava, vejam só. Era fashion. O máximo do brega foi o advento de calças com metade de uma cor e metade de outra! Junto com pulseiras calhambeque (na esteira do sucesso de Roberto Carlos).  Camisas ban-lon eram aceitáveis, mas as volta-ao-mundo eram de amargar. Feitas de um material fino e transparente, exibia nossos bicos de peito e os primeiros cabelos do tórax.

Rei Roberto Carlos e sua calça boca de sino

Pior foi a moda do uso de chinelões. Ridículo não descreve suficientemente bem. As calças Lee, legítimas, eram enormes. A gente comprava e mandava cortar em Ebenézer, alfaiate. Ele também colocava umas nesgas para alargar a boca da perna. E depois era lavar repetidas vezes para desbotar porque calças Lee com aspecto de novas era caretice.  

Como se fosse pouco, lançaram um tal de sapato cavalo-de-aço. Vi uma foto antiga em que calço um desses monstrengos. Como pude?  

E as gírias? “Passando, abacaxi, que tomei leite” as moças falavam para os mais ousados. “Rasgou a boca” era coisa das mossoroenses no tempo da boate Snobe. Além da exclamação “é de cortar coração”! 

Nesse tempo fumar era um vício aceitável. As casas, escritórios, restaurantes, consultórios, ônibus, em todos os lugares havia cinzeiros. Meu pai comprou um de desenho “modernista” em Recife e teve que aturar as perguntas curiosas por causa do estranho pacote. Cansado de explicar, escreveu no papel do embrulho: “perequeté”.  

Falar nisso, existia um chocolate que imitava um cigarro, algo impensável hoje. O politicamente correto também não aceitaria as balas de uísque, já pensaram? Pois é. A gente chupava a bala e de repente vinha o uísque de recheio.  

Algumas bala vinham com recheio  de uísque

Nas casas, em cima das geladeiras, invariavelmente era colocado um elefante de louça com a traseira voltado para a rua. Diziam que atraia dinheiro. Ou um pinguim. Na parede, um Sagrado Coração de Jesus e uma folhinha que trazia o santo do dia, receitas, fases da lua, datas comemorativas e mensagens diversas. A TVs eram enormes e exigiam paciência pois passavam sempre listras horizontais ou verticais. Aí um bombrilzinho na antena tentava resolver o problema.   

Na primeira vez que viajei a São Paulo minha mãe pediu para eu comprar um Lunário Perpétuo. Rodei para achar a encomenda. Só muito tempo depois fui saber a importância que aquela publicação tinha para o sertanejo por que trazia informações generalizadas:  datas dos eclipses, previsão do tempo, horóscopo, vida dos papas. O mestre Câmara Cascudo informa que o Lunário, durante duzentos anos foi o livro mais lido pelos nordestinos. Emocionado, vi o show do mesmo nome e comprei o CD de Antônio Nóbrega. 

Então? São tantas as coisas que vieram e se foram... Também na arquitetura.  

Casas em estilo falso colonial com pinhas e rabos-de-andorinha nos telhados, arcos abatidos ou plenos. Um arquiteto conhecido retrucou a um cliente que só projetaria assim se colocasse também cavalariça e abrigo para escravos. Hoje ninguém fala nisso. Bidês nos banheiros, tacos no piso, janelas guilhotina.  

Cervejas eram apenas Brahma e Antártica. Bebia-se Cinzano, Campari, Martini. Nas boates as moças pediam gim porque ficava fluorescente sob a luz negra do Hippie drive-in.  

Até cachorros têm seu tempo. O Kennel Club, funcionava ali na Hermes da Fonseca. A logo era um boxer, cão da moda, juntamente com o pastor alemão. Todos tinham ou desejavam. Depois foi a febre dos dobermans, pitbull e até o pinscher. No momento o dog francês é o alvo dos desejos das famílias. E junto veio a proliferação dos pet shops: há um em cada esquina. Um amigo aderiu para satisfazer o filho único. Reclamou: em dois dias eu gastei dois mil reais! E a ração? A mulher disse que era uns vinte reais. Fui comprar um quilo e custou setenta pratas! Ri, compadecido. Morando em apartamento, ao chegar em casa o amigo escorregou no mijo do cachorro e desequilibrado pisou no cocô. Foi a gota d'água: - Despachei o bicho sem contemplação. Ou ele ou eu!  

Eita, o filme clicou alguma pasta oculta em meus arquivos mentais. Lembrei até da minha velha máquina de datilografia Baby. Vocês sabem o que era isso?

E a chuva continua a cair... 

2 respostas para “CHOVE, CHUVA”

  1. IMIS ROSA UCHOA CORREIA disse:

    Modas acontecem o tempo inteiro e só dançam ao seu ritmo aqueles mais venais, mais vulneráveis.
    Daqui a uns anos a crítica vai cair sobre os idiotas capazes de rncherbo pouco juízo com álcool e/ou ficar a ouvir música podre como a que grassa hoje em dia. E o que dizer da mania do celula, expondo-se ao seu magnetismo et?
    Dentro de poucos anos a gozação cairá sobre o ridículo das torpes, doentias, inúteis e imundas Focinheiras da FRAUDEMIA do inexistente Covid-19.
    Então, antes de criticar fatos, modas etc passados, pense no seu próprio ridículo ao fazer uma selfie repetidas vezes, a fim de se ver razoavelmente bonito(a) nela.

  2. IMIS ROSA UCHOA CORREIA disse:

    Errata.
    Rncherbo = ENCHER O …